sábado, 25 de setembro de 2010

Notas Cotidianas e Literárias XXXIV



Um beijo para os crocodilos

POESIA MINIMALISTA E ANGUSTIADA

Um escritor dispõe de possibilidades de escolha diferenciadas para construir a sua obra. A luta com a palavra leva-o a buscar aquelas opções com que mais se identifica em termos de estrutura e sentido. No caso de um poeta, faz-se imprescindível o conhecimento de expressões e manifestações estéticas anteriores e atuais, pois não deve afastar-se demasiadamente da tradição ou mesmo de modalidades correntes de pós-modernidade que estão a acontecer e se perfazem ainda em nível de teoria e experimentação.

Em seu sexto e mais recente livro, Um beijo para os crocodilos, o poeta pernambucano Almir Castro Barros investe fortemente na consecução de um minimalismo obsessivo, cirúrgico e telegráfico para nortear a composição de suas formas poéticas. Utiliza-se de uma economia de meios para a gestação da palavra que a apreende em seus graus diversos de vocábulo, signo verbal, corpo de verso e estrofe. É uma tarefa que exige concisão e equilíbrio para fazer cortes, buscar o fonema exato, alcançar o verso impecável e bem realizado.

Outra tendência estética adotada, mais ligada ao discurso e ao significado, sinaliza para um lirismo algo metafísico e recortado em instâncias angustiantes da frágil condição do poeta e do homem em qualquer sociedade em que viva e transite. Tal condição lírica está intimamente ligada aos feitos da experiência cotidiana vivida ou a viver, ao sonho e ao desejo que cada poeta carrega em si, a genealogia e infância, ao ambiente familiar e à vida coletiva e social. Mostra-se reveladora também das intencionalidades do poeta no trato com a vida, a palavra e a linguagem.

Torna-se promissora aqui a atitude que renuncia a certas facilidades comprometedoras da dicção poética que se quer autêntica, viva, incidente e talvez única na sua diferenciação de base. A manutenção da fidelidade fraterna em relação aos companheiros de geração, a Geração 65, não impõe que se desvie do caminho e dos propósitos escolhidos. Assume as injunções, incertezas e consequências do próprio fazer poético, com uma poesia que amplia certa compulsão por uma escrita situada entre o rigor e o subjetivismo. E que ao mesmo tempo refreia algum excesso ou derramamento discursivo que porventura se insurja nas veredas percorridas desde o livro da estreia em 1975, Estações da viagem.

Nada do que Almir escreve ocorre sem a persistência dos obstinados. Serve-se da lente dissecadora dos que não se contentam com um produto poético derivado do manuseio fácil da palavra. É um daqueles poetas que se debatem entre a esperança e a descrença, mas que podem, ao passar da borrasca, exercer a humildade e o rito de perdoar o descalabro e a insensatez alheia. Mas, ao questionar as motivações de ofensas, opressões e traições, não referenda aquela espécie de perdão sem luta, originário da passividade e do conformismo que entorpecem os sentidos e a fala. A dor e o sofrimento são minorados pela tensão saudável recriada pela poesia. O leitor é espelho e parceiro nesta travessia que envolve tanto a sua participação solidária, quanto a liberdade que sugere o preencher lacunas e incompletudes quase sempre propositais deixadas pelo poeta na busca de síntese, profundidade e aperfeiçoamento da arte de fazer e desfazer versos.

Diario de Pernambuco, 18 de setembro de 2010


UM MINICONTO DE DAVID FOSTER WALLACE

 David Foster Wallace, nascido em Ithaca (1962),  faz parte da geração de novos autores norte-americanos. Professor, contista e romancista premiado, sua escrita volta-se também para o ensaio. O conto aqui publicado abre o livro Breves entrevistas com homens hediondos (São Paulo, Companhia das Letras, 2005) e intitula-se "Uma história radicalmente condensada da vida pós-industrial":

Quando fomos apresentados, ele fez uma piada, esperando ser apreciado. Ela riu extremamente forte, esperando ser apreciada. Depois, cada um voltou para casa sozinho em seu carro, olhando direto para a frente, com a mesma contração no rosto.
O homem que apresentou os dois não gostava muito de nenhum deles, embora agisse como se gostasse, ansioso como estava para conservar boas relações a todo momento. Nunca se sabe, afinal, não é mesmo não é mesmo não é mesmo. 

O MUNDO JAMÉ VU DE HOMERO GOMES 

Aqui é onde tudo o que se perde é resgatado. Nesse mundo em que não reconhecemos ninguém, onde nos perdemos e, isolados de nós mesmos, esquecemos identidades, resta apenas nos enfiarmos por caminhos perigosos, espancados e castrados. O que era seu, meu e de todos se esvairá rapidamente diante do Mundo JAMÉ VU.

Então, que Fulano de Tal ressurja do próprio sangue! Neste espaço suas narrativas serão recuperadas, envoltas no mistério de seu suicídio. Além delas, outros achados se farão presentes, servindo de espaço para o estranhamento e a reflexão. Para tanto, convido a todos que adotem este espaço como seu, sentindo-se parte desse pedaço último de humanidade, apresentando resquícios da decadência de sentido, fundamento e essência.

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Editor: Homero Gomes
Contato: homero.gomes@gmail.com
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UM POEMA DE ROBSON SAMPAIO

Robson Sampaio, jornalista e poeta, é alagoano radicado no Recife, onde recebeu, em 2006, o título de Cidadão do Recife, concedido pela Câmara Municipal. Publicou os livros O Recife & Outros Poemas (2007) e Eu Sou Capibaribe (2009). O poema abaixo traz um efeito anafórico afirmativo e simplificado nos versos inciais tríplices do que seriam as estrofes, se houvesse a subdivisão dentro do próprio poema, que aparece estruturado em bloco único. Mesmo assim, a sequência é preservada, e "O mistério do entardecer no verão recifense" permite que se pense no Pernambuco ancestral e histórico de grandes lutas e batalhas insurreicionais em relação ao país, na cultura diferenciada em festa popular desbragada que são o carnaval e outras manifestações, e na ambiência tropical que expõe belas mulheres no azul do mar e nas areias das praias fartas e privilegiadas que caracterizam o locus pernambucano.

ENTARDECER

O mistério do entardecer no verão recifense
ilumina o Capibaribe e reflete a alma:
Pernambuco.
O mistério do entardecer no verão recifense
anuncia o som dos clarins de Momo:
Passo e frevo.
O mistério do entardecer no verão recifense
sugere águas mornas e areias quentes:
Azul do mar.
O mistério do entardecer no verão recifense
reacende o calor das mulheres que brincam de sedução:
Vontades ardentes.

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