UM POEMA DE LARA DE LEMOS
Publicamos, nesta nota, o texto “Poema para o mundo”, de Lara de Lemos, poetisa gaúcha, falecida aos 87 anos, em 12 de dezembro de 2010, em Nova Friburgo, Rio de Janeiro. Editamos também um verbete sobre a sua vida, organizado por Rosane Saint-Denis Salomoni.
POEMA PARA O MUNDO
É certo que te amo.
É certo que palpito
em teus segredos diários
e me adivinho em dor
quando fores o mesmo
sem meu canto.
Moradora de mim,
habitando tão pouco onde existimos
ignorei os teus pretensos donos
e as sete chaves que te guardam
para uso exclusivo.
Preferi defender meu pequeno poema
ou calar
em covardias necessárias.
Porque te vi destruído em Hiroshima
é que te falo.
Porque vi teus peixes grávidos de morte,
tuas plantas calcinadas,
tuas crianças feridas,
teus vivos mutilados
e sobretudo porque me arrependo,
é que te falo.
Sofres sem opção.
Dividiram-te em pedaços desiguais,
tornaram-te em árido arquipélago
onde os abraços se fizeram ilhas.
Deram-te nomes diferentes
e em nome desses nomes
te destroem.
Mundo imenso, mundo nosso,
Mundo.
É preciso que protestes.
Teus mortos caminham deslembrados
e com olhos de outrora e de amor
te contemplam.
É preciso que fales.
E na voz dos sofridos,
dos poetas, dos puros,
digas tanto e tão alto,
que os homens, ferozes e ocupados,
escutem o teu grito
e sejas salvo.
In: Amálgama. Porto Alegre, Ed. Globo, 1976.
VIDA DE LARA DE LEMOS
Natural de Porto Alegre, Lara Fallabrino Sanz Chibelli de Lemos, foi criada pela avó em Caxias do Sul, tendo ficado órfã, de pai e de mãe, aos cinco anos de idade. Formou-se em História, Geografia, Pedagogia, Jornalismo e Direito, com especialização em Literatura Inglesa e Contemporânea pela Southern Methodist University, Usa. Atuou como professora, tradutora, poeta e jornalista, de forma intensa e combativa, sofrendo as conseqüências do regime militar imposto ao povo brasileiro em 1964, que a obrigou a interromper a carreira jornalística, tendo, inclusive, seu primeiro marido sido preso e, posteriormente, seus dois filhos.
Mudou-se para o Rio de Janeiro onde trabalhou em diversos setores do MEC, foi assistente do professor João Batista da Costa , titular da cadeira de Economia Política da Faculdade Cândido Mendes na mesma cidade. Participou de várias antologias sobre poetas modernistas, ganhou prêmios literários ( Prêmio Sagol ( 1957) pelo então inédito Poço das águas vivas, novamente premiado em 1990 com o Prêmio Nacional de Poesia Menotti del Picchia, do Instituto Nacional do Livro por sua obra Aura amara (1968)). Depois de aposentada fixou residência em Nova Friburgo, RJ.
Como contista estreou em 1955, na Revista do Globo ("Homem no bar" e "Mulher Só"). Na poesia, sua estréia foi com a obra Poço das águas vivas (1957), de características fortemente subjetivas, de indagações de si mesma, da busca do espaço e da individualidade de uma mulher. A partir de Canto breve (1962), volta-se para uma lírica de cunho social, de experimentação ( poema-processo), de investigação da palavra e da forma, que a determinam uma poeta de vanguarda consciente do seu fazer literário que diz: Escrevi sobre a areia/ não edifiquei sobre pedra./Sei, a rocha é eterna,/ breve meu poema. ( Transitório- em Águas da memória – 1990). Sua última produção é Dividendos do tempo, de 1995, em cuja apresentação, Maria da Glória Bordini ressalta: "Obra de uma poeta arredia, avessa à notoriedade, feliz associação de mulher política e lírica, este volume revisa uma carreira de 40 anos, inédita nas letras brasileiras."( Porto Alegre, LPM, 1995)
In: http://www.amulhernaliteratura.ufsc.br/catalogo/lara_vida.html.
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