SOLIDARIEDADE E ESPERANÇA
Esperança e solidariedade são palavras justas e inquietantes, que somadas a liberdade e amor definem e completam o destino humano. Há, no entanto, conjuntos de palavras que exprimem situações opostas, mas que devem ser lembradas pelo seu impacto sobre o mundo contemporâneo. São algumas delas, formadas em blocos: os atos da violência extrema de grupos organizados associados aos cartéis do tráfico e ao fundamentalismo; a corrupção provocada pela cobiça e pelo desejo insaciável de poder, que desfalca dos cofres públicos o capital que pertence, de direito, à população de um país; a devastação ambiental ilimitada, cujos grupos empresariais que a praticam, não escolhem áreas para desmatar e explorar. A liberdade, que se fragmenta a partir destes e de outros elementos, pressupõe coisas básicas de sobrevivência e livre expressão. A falta de componentes imprescindíveis a uma vida digna induz o homem a se portar e ser visto com a descartabilidade da máquina, do número, da coisa, do detrito e do objeto.
Nem tudo, no entanto, parece estar perdido. Existe uma cadeia de pessoas que guarda princípios éticos inalienáveis, trabalhando silenciosamente e sem alarde para que outros homens, mulheres e crianças não sucumbam. Pessoas públicas e anônimas que se opõem, por exemplo, à sordidez implacável da pobreza. São essas pessoas, tantas que não conhecemos, outras com as quais cruzamos ou vemos no cotidiano, presencial ou virtualmente, que estão em todos os lugares e setores da sociedade, do trabalho e da vida, com o seu despojamento honrado, generoso e desinteressado. Elas transmitem alguma espécie de confiabilidade e alento aos seres humanos. E por isso pessoas assim nos levam a pensar e crer que palavras como solidariedade, esperança, justiça e paz possam ainda significar algo.
A ESTÁTUA DE DRUMMOND
Por que roubar os óculos da estátua do poeta Drummond,
se ele não mais vê o mar e nem anda de táxi, ônibus ou bonde?
GUIMARÃES ROSA POETA
Um livro que permaneceu inédito por mais de seis décadas, Magma, somado a uns poucos poemas esparsos e de circunstância, compõem a reduzida obra poética de João Guimarães Rosa. O escritor mineiro, nascido em 1908 e morto de infarto em 1967, procedeu, no âmbito da prosa, inovações definidoras com relação à linguagem ficcional, injetando-lhe vida, dinamismo e inventividade, conforme se pode comprovar em romances e contos que escreveu. Em Magma (Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 148 páginas), ele revela-se um poeta que adota explicitamente o verso livre, e num outro pólo, a sintaxe oficial e enquadrada que muitos poetas passaram a praticar após a Semana de Arte de 22.
É sintomática a constatação de que em todos os poemas deste livro, mesmo nos hai-kais e poemas curtos, o fechamento faz-se invariavelmente reticenciado. As reticências, embora usadas em profusão, não apagam, no entanto, a força das paisagens que ondulam entre escarpas, montanhas e serras ou os diálogos extremamente rápidos e vivos, onde o homem conversa sem cerimônias com outros homens, com os animais, o sol e as águas. Eventualmente, tais reticências podem estar em alguns instantes eivadas do brilho um tanto artificial de uma pedraria que ofusca pelo seu efeito insólito e, de modo paradoxal, neutralizador.
Mas, é de admitir também a introdução de um ritmo ágil e flexibilizado, de metáforas características e prenunciadoras, como recursos poéticos que seriam exaustivamente aplicados ao seu fazer literário futuro. E isto tenderá a tornar-se, pela maneira como acontece e aflora-se neste Magma, marca de recorrência e estilização em Rosa.
Entre as temáticas contempladas em Magma, ocorrem com grande freqüência as que falam da natureza e seus elementos – homens, animais, águas, árvores e minerais existentes e escolhidos de preferência no estrato ambiental e humano do sertão de Minas Gerais. Os poemas que referem-se a sentimentos e estados espirituais intensificados, apresentam-se às vezes conflitantes e paradoxais: “Desterro” ou “Regresso”, “Ironia” ou “Angústia”, “Integração” ou “Revolta”. Perfazem novas seqüências a poetização de ambientes e lugares, com os exemplos de “Na Mantiqueira” e “No Araguaia I, II, III e IV”.
Guimarães Rosa serve-se de recursos vocabulares retirados da química, das matemáticas e da mineralogia. Figuras geométricas são utilizadas para retratar animais (“A Aranha” e “Meu Papagaio”), além de detalhes irônicos e bem-humorados relativos àqueles. A lenda indígena de “Iara”, em mistura com figuras mitológicas produz versos do tipo: “E Danaides laboriosas se desviam dos cardumes/ de Nereidas,/ que imergem, ondulando as caudas palhetadas/ dos seus vestidos justos de lamé...”.
Numa série de poemas sobre cores, a ênfase pode não dirigir-se necessariamente para o cromático ou o pictórico convencionais, antes avançando em outras regiões da poesia. Exemplo disto é a estrofe inicial do poema “Vermelho”, onde faz-se o contraste entre o sangue vermelho da virgem e a brancura cristalina da pomba: “É uma pomba/ - parece uma virgem./ De debaixo das plumas, vem o jorro/ enérgico, da foz de uma artéria:/ e a mancha transborda, chovendo salpicos, a cada palpitação”.
O Rosa prosador é antecipado pelo Rosa poeta que com este Magma ganhou, em 1936, o prêmio anual da Academia Brasileira de Letras. Contudo, não resta dúvida de que tais poemas refletem um poeta com menos de trinta anos à época, mas já senhor do seu ofício literário, a dominar perfeitamente os ritos essenciais e os recursos indispensáveis à escrita de poesia e à prosa que o consagrará.
PARACHOQUE DE CAMINHÃO
Era tão canalha que não suportava encarar
a vileza da própria imagem no espelho.
UM POEMA DE MANOEL DE BARROS
Manoel de Barros ((1916) é de Cuiabá, Mato Grosso. Tem mais de 20 livros publicados. Um dos mais recentes, Livro das ignorãças, traz o poema final intitulado “Auto-retrato falado”. Afasta-se dos efeitos inusitados e presentes, quase sempre, na poesia de Barros: dos versos desconcertantes, do encobrimento de um provável sentido, do diálogo surrealista com a terra, as plantas, os rios e pássaros. Neste poema, descobre-se um pouco do homem Manoel de Barros:
Venho de um Cuiabá garimpo e de ruelas entortadas.
Meu pai teve uma venda de bananas no Beco da Marinha, onde nasci.
Me criei no Pantanal de Corumbá, entre bichos do chão, pessoas humildes, árvores e rios.
Aprecio viver em lugares decadentes por gosto de estar entre pedras e lagartos.
Fazer o desprezível ser prezado é coisa que me apraz.
Já publiquei 10 livros de poesia; ao publicá-los me sinto como que desonrado e fujo para o Pantanal onde sou abençoado a garças.
Me procurei a vida inteira e não me achei – pelo que fui salvo.
Descobri que todos os caminhos levam à ignorância.
Não fui para a sarjeta porque herdei uma fazenda de gado. Os bois me recriam.
Agora eu sou tão ocaso!
Estou na categoria de sofrer do moral, porque só faço coisas inúteis.
No meu morrer tem uma dor de árvore.
POEMA DA INADIÁVEL PARTIDA
Sem os teus afetos,
sem amor ou calor
que farei aqui
nessa cidade perdido?
Partirei agora.
De tristezas inúteis
não é o meu caminho:
Sonho & Vida.
Pássaros no meu encalço.
Árvores nuas na estrada.
Velejarei por novos braços,
novos sonhos abraçarei.
terça-feira, 29 de dezembro de 2009
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Parabens pelo excelente trabalho literário, indicarei nas minhas páginas, aguarde.
ResponderExcluirAbração
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