NEM TANTO AO MAR NEM TANTO À TERRA
A amiga observou que os óculos dele saíram tronchos na fotografia batida recentemente defronte à parede azulejada de um shopping da cidade. Reparando bem, não só as lunetas escuras cobrindo as grossas lentes da miopia antiga. Mas também o cerrado das sobrancelhas, o colarinho esportivo, o cordão kitsch de aço e os botões abertos, tudo parecia estar fora de lugar. Ele mesmo, sua vida e arremedos de poesia, a superficialidade de seus pensares e pesares, sua transitação e mobilidade cotidianas. Como se fizesse e não fizesse parte desse mundo. “Você não corrigiu o penteado, a postura, a agressividade permanente do olhar”, disse ela. Eu havia bebido um pouco, por isso o relaxamento. “Deve-se sempre atentar e ter cuidado em posar para fotos”, insistiu. Não ligo para isso, acho besteira. “Uma imagem pode ficar na mão de alguém que não se conhece, e aparecer depois, do nada, sem que se saiba de onde veio”, completou. Não tenho medo da posteridade, penso no futuro como o agora. “Jamais imaginei que você se revelasse tão prático, sendo o poeta que é”, arrematou. Nem tanto ao mar nem tanto à terra.
(Recife, fev. 2011)
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