A INTERNET
A sociedade contemporânea tende a sustentar seus valores, no século 21, através do esforço de uma rede de comunicação intensamente poderosa e eficaz. O complexo da tecnologia da informação distribui-se em numerosas ramificações e polarizações intercontinentais. Os seus modelos culturais diferenciados de produção e consumo situam-se na fronteira estética que delimita o gosto popular e o erudito, e como produtos gerais desta oferta, a informação e o entretenimento ilimitados.
PRAGMATISMO
Tudo é relativamente cíclico, passageiro, eventual. Ninguém permanece para sempre num posto privilegiado, que pode ter vários formatos: desde aqueles de execução implacável, passando pelos de favorecimento político ou de tráfico de influência, aos arrumados em amizade. No âmbito empresarial, os mais competentes e supostamente indispensáveis podem um dia amanhecer sem emprego. Em política, um deslize ou o descontentamento do chefe pode ser fatídico. No caso da amizade, às vezes qualquer arranhão no relacionamento torna duas pessoas antes fraternas, desafetas figadais.
SERTÂNIA
Na extinta Revista da Educação, vol. X, Secretaria do Interior/PE, abr., mai., jun. 1945, encontro os seguintes esclarecimentos sobre a mudança do nome de Alagoa de Baixo para Sertânia: “Alagoa de Baixo, cidade, tomou o nome de Sertânia. Vila por lei provincial nº 1093, de 24 de maio de 1873; cidade por lei estadual nº 991 de 1 de julho de 1909. Sertânia, por solicitação dos habitantes, em virtude de ser a primeira cidade, de leste para oeste, da zona sertaneja”.
INFÂNCIA
Em Sertânia passei toda a minha infância. Viajava constantemente com parentes pelas cidades circunvizinhas. Fui menino solto, tendo direito a tomar banho de poço, rio e açude, caçar e pescar, jogar futebol, andar de bicicleta e patins. Na pré-adolescência, pude peruar sinuca e vagabundear nos bares e cabarés. Passei longas férias em fazendas de familiares, num mundo mais rural ainda, recuperando vivências que me foram tiradas logo após o meu nascimento no sítio Cacimbinha. Não tenho grandes ressentimentos dessa infância, apesar dos extensos bigodes e da severidade de meu pai, da educação extremamente rigorosa e exigente de minha mãe.
ALBERTO LINS CALDAS
Gorgonas (Recife, 2008), do poeta pernambucano Alberto Lins Caldas, é um livro estranho, radical, violento. Exprime a angústia de alguém que jamais se adaptou ao mundo, o descrédito total nos valores humanos. Sua sintaxe subverte o discurso poético com artifícios como cortes vocabulares e supressões morfológicas, utilização diferenciada de signos e sinais de pontuação. Seus poemas são invariavelmente longos, repartidos e subdivididos internamente, numa fragmentação que explicita também o estado íntimo do autor. Como exemplo, destaco este trecho, que é também um poema, do poema “Morto”:
sempre diferente.
sem saber como depois de tantos
inda sou o mesmo.
cada vez mais ignorante.
nunca impostor.
roda viva depois de tanta luta.
sei q nada disso é verdade.
devia ta inchado de vaidade.
mas naum.
fico assim.
cheio de escrupulos y terrores
atribulado de sonhos y martirios
sem ânimos.
nem me iludir posso.
finjo espalhar escuridaum como fingem a luz.
dos bons fasso maus y deles melhores.
todos somem.
eu mesmo ambiciono poder
sempre mais sem fim.
y vivo pobre.
pobre demais.
mais pobre do qeu ta morto
podre de pobre.
cobisso pouco mas muito poder.
qé a unica coisa que vale.
o resto é tolice.
naum espero nada da vida.
igual aos cães da rua.
mas esses esperam
carne osso ou lixo.
GABRIEL GARCÍA MÁRQUEZ
Em Memória de minhas putas tristes (2006), Gabriel García Márquez mostra o quanto há de incestuoso – e também de isenção induzida de culpa do personagem em relação a si mesmo – no relacionamento entre um homem de noventa anos e uma garota de catorze. Além disso, a mania e o exagero de catalogar, ávida e criteriosamente, mulheres: “Lá pelos meus vinte anos comecei a fazer um registro com o nome, a idade, o lugar, e um breve recordatório das circunstâncias e do estilo. Até os cinqüentas anos eram quinhentas e catorze mulheres com as quais eu havia estado pelo menos uma vez.”
ANA CRISTINA CESAR
A bela poetisa carioca Ana Cristina Cesar, nascida em 1952, suicidou-se violentamente com pouco mais de trinta e um anos, em 29 de outubro de 1983. Um suicídio, como se sabe, nunca é explicável de todo. Os argumentos que se apresentam para justificá-lo sempre esbarram na estranheza própria e insólita do gesto e nas aparentes desrazões que o motivaram. Além destes entraves, não se pode mais contar com o único ente que poderia, de alguma forma, dar um testemunho inequívoco e esclarecedor, o suicida.
O que um poeta deixa como herança a quem provisoriamente fica é o brilho ou a falência de seus versos. E nestes, algo de seu espírito, lucidez, racionalidade, ânsias, concepções e idealizações pessoais e de suas vivências mais profundamente arraigadas. Um dos últimos poemas escritos por Ana Cristina Cesar, Contagem regressiva, descarna e põe a nu o sentimento amoroso vivido com uma intensidade altamente dramática e angustiante. O amor, no poema, não se amesquinha e nem se envergonha de sua condição de perda cotidiana e conquista permanente, nem se amofina diante da hipocrisia do senso comum.
Embora o poema afunde-se num tipo de intimismo inflamado e grandemente confessional, algo dele se passa também na velocidade virtual e alucinada do cenário urbano do Rio de Janeiro, ou, de outra maneira, na perigosa calmaria de um apartamento inquietantemente familiar. Os minutos que antecedem um encontro definidor para os amantes, mostram-se tensos, extremados e arrebatadores. Mesmo quando o recurso utilizado para uma possível reconciliação seja o silêncio perscrutador e desolado, quando não mais uma espécie de desespero calmo e contido. Neste poema, o amor não tem nome catalogável ou explícito, e o seu encanto revela-se justamente no fato de não se saber a que ser amado é dedicada uma paixão tão sublime e radical. Neste anonimato, onde desaparece também a noção convencional de sexo, trabalha contra o amor apenas esse tempo retido na mais exigente volição e impulsão do ser que ama.
Há um contraste nítido entre a pressa da viagem paranoica pela grande cidade e a busca do ser amado em sua morada e recolhimento. A resposta para essa busca é a empatia do silêncio tornado comum pelas circunstâncias do encontro doloroso entre os amantes. O silêncio mágico e definitivo que se instaura, desaquece os ímpetos mais fortes ao estabelecer as regras do jogo e o preço inglório de não se saber o que o outro deseja ou pensa. As palavras passam a perder a densidade de sua aura, e a ser momentaneamente desnecessárias e dispensáveis, ensejando assim, no bojo dessa situação conflitante, a sua contagem regressiva.
A ESCRITA
Minha relação pessoal com a escrita literária impulsiona-me mais diretamente à poesia, ao ensaio e à crítica. No caso da prosa de ficção, assumo uma posição que é a do leitor, de um leitor algo especializado, mas que não resume suas leituras apenas à interpretação ou à análise. Se não fosse assim, não praticaria a releitura de textos que um dia me instigaram e comoveram, que me proporcionaram prazer e emoção.
OS MENDIGOS
No Brasil
até mesmo
uma ferida
vira meio de vida.
terça-feira, 3 de novembro de 2009
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