POEMAS DA SÉRIE INÉDITA A OUTRA VOLTA DO SOL
ENCONTROS COM PINTO DO MONTEIRO
I
Encontrei Mestre Pinto
na Rua dos Guararapes
na casa onde viveu
por muito tempo em Sertânia.
Encontrei Mestre Pinto
entre os setenta e os oitenta
e o visitei muitas vezes
naqueles dias e anos.
Encontrei Mestre Pinto
de mesquinhez despojado,
sem esconder o seu jogo
de cantador ou dono de casa.
Encontrei Mestre Pinto
em lucidez malcriado
e o visitei outras vezes
naquele tempo em sua casa.
II
A recepção bem gentil,
o café não era amargo.
Para almoçar o convite
de pronto foi reforçado.
De um amigo querido
quis logo saber onde estava,
se na Argélia ou Recife,
ou quando por aqui aportava.
Miguel Arraes era o amigo
que Pinto admirava,
e que estava a caminho
do exílio para casa.
A Mestre Pinto eu disse
que pouco tempo faltava
para a chegada do Mito
por tanta gente esperada.
Sem contentar-se pediu
que sobre Arraes lhe mandasse
todo material e notícias
que porventura achasse.
Selei este compromisso
de manter sempre informado
o improvisador Severino,
poeta mais que arrojado.
III
A conversa muda de rumo,
em outra prosa entramos.
Falamos de roça e de chuva,
falamos da vida em Sertânia.
De cachaça que não combina
com a cantoria e a viola,
dos companheiros de Pinto
que passaram por sua escola.
Falamos sem muito siso
daqueles sem vocação,
que insistentes se arriscam
em cantar martelo e mourão.
Mestre Pinto era irônico
com fracos poetas do povo
e os de bancada erudita,
não tendo cabresto na boca.
A nenhum cantador perdoava
esse paraibano bravio,
nascido ali no Monteiro,
cidade a nós bem vizinha.
Amigo de João Furiba,
de Gato Velho lembrava,
colega dos irmãos Batista,
rasgos de lealdade guardava.
Mestre Severino Lourenço
da Silva Pinto não era
poeta pajeuzeiro.
Preferia ser conhecido
como de Sertânia e Monteiro.
Preferia o Moxotó e o Cariri
à Grécia auto-promovida
que é São José do Egito.
Mas cantou com Antônio Marinho,
Heleno Pinto e Catota.
Com Zé Pequeno fez disco,
mandou Milanês para outra.
Não desprezava os poetas
da região do Teixeira,
os nomes de Ugolino e Romano
e Inácio da Catingueira.
Desafiou Zé Faustino,
Hercílio Pinheiro e Cancão,
nunca mostrou-se mofino
em pagar o verso em baião.
IV
Pinto falou de uma viagem
em quarenta ao Amazonas,
para o combate à malária
deixando viola e Sertão.
Voltou depois de seis anos
e assumiu de vez seu destino
de circular pelas terras
que rima e metro lhe deram.
Antes de ser cantador
vaquejou na Paraíba.
E pouco tempo depois
sentou praça na polícia.
Levou-o a dura prisão
a briga com outro soldado,
mas com muita luta livrou-se
e não quis mais saber de farda.
Pinto falou sem mistério
de suas vivências passadas,
da juventude sem regras
e de confusões que arrumava.
Ninguém conhece detalhes
do nascimento de Pinto
na transição de dois séculos,
o dezenove e o vinte.
No Ceará, Paraíba,
Rio de Janeiro e São Paulo,
de Pernambuco à Bahia,
Rio Grande do Norte e Alagoas
e em mais cidades e estados,
pelo País espalhado
o seu repente certeiro
se deflagrou, floresceu.
Pinto em média viveu
noventa anos no mundo.
E o povo jamais esqueceu
do seu improviso profundo.
V
Encontrei Mestre Pinto
lendo ciência e história,
não dispensando a Bíblia
para cantar sem vanglória
o que aprendia dos livros.
Encontrei Mestre Pinto
tranquilo em seu reinado,
um velho revólver à cinta,
porque não abria parada
para malandro ou polícia.
Encontrei Mestre Pinto
e sua pisada era forte,
sua bengala atrevida,
destemeroso do corte
da traiçoeira parnaíba.
Encontrei Mestre Pinto
em lucidez malcriado,
e conversamos bastante,
e o visitei vezes sem conta,
naquele tempo em Sertânia.
sábado, 20 de março de 2010
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Simplesmente EXCELENTE!!!
ResponderExcluirAbração
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