sábado, 20 de março de 2010

Notas Cotidianas e Literárias XVII

POEMAS DA SÉRIE INÉDITA A OUTRA VOLTA DO SOL



ENCONTROS COM PINTO DO MONTEIRO


I

Encontrei Mestre Pinto

na Rua dos Guararapes

na casa onde viveu

por muito tempo em Sertânia.


Encontrei Mestre Pinto

entre os setenta e os oitenta

e o visitei muitas vezes

naqueles dias e anos.


Encontrei Mestre Pinto

de mesquinhez despojado,

sem esconder o seu jogo

de cantador ou dono de casa.


Encontrei Mestre Pinto

em lucidez malcriado

e o visitei outras vezes

naquele tempo em sua casa.


II

A recepção bem gentil,

o café não era amargo.

Para almoçar o convite

de pronto foi reforçado.


De um amigo querido

quis logo saber onde estava,

se na Argélia ou Recife,

ou quando por aqui aportava.


Miguel Arraes era o amigo

que Pinto admirava,

e que estava a caminho

do exílio para casa.


A Mestre Pinto eu disse

que pouco tempo faltava

para a chegada do Mito

por tanta gente esperada.


Sem contentar-se pediu

que sobre Arraes lhe mandasse

todo material e notícias

que porventura achasse.


Selei este compromisso

de manter sempre informado

o improvisador Severino,

poeta mais que arrojado.


III

A conversa muda de rumo,

em outra prosa entramos.

Falamos de roça e de chuva,

falamos da vida em Sertânia.


De cachaça que não combina

com a cantoria e a viola,

dos companheiros de Pinto

que passaram por sua escola.


Falamos sem muito siso

daqueles sem vocação,

que insistentes se arriscam

em cantar martelo e mourão.


Mestre Pinto era irônico

com fracos poetas do povo

e os de bancada erudita,

não tendo cabresto na boca.


A nenhum cantador perdoava

esse paraibano bravio,

nascido ali no Monteiro,

cidade a nós bem vizinha.


Amigo de João Furiba,

de Gato Velho lembrava,

colega dos irmãos Batista,

rasgos de lealdade guardava.


Mestre Severino Lourenço

da Silva Pinto não era

poeta pajeuzeiro.

Preferia ser conhecido


como de Sertânia e Monteiro.

Preferia o Moxotó e o Cariri

à Grécia auto-promovida

que é São José do Egito.


Mas cantou com Antônio Marinho,

Heleno Pinto e Catota.

Com Zé Pequeno fez disco,

mandou Milanês para outra.


Não desprezava os poetas

da região do Teixeira,

os nomes de Ugolino e Romano

e Inácio da Catingueira.


Desafiou Zé Faustino,

Hercílio Pinheiro e Cancão,

nunca mostrou-se mofino

em pagar o verso em baião.


IV

Pinto falou de uma viagem

em quarenta ao Amazonas,

para o combate à malária

deixando viola e Sertão.


Voltou depois de seis anos

e assumiu de vez seu destino

de circular pelas terras

que rima e metro lhe deram.


Antes de ser cantador

vaquejou na Paraíba.

E pouco tempo depois

sentou praça na polícia.


Levou-o a dura prisão

a briga com outro soldado,

mas com muita luta livrou-se

e não quis mais saber de farda.


Pinto falou sem mistério

de suas vivências passadas,

da juventude sem regras

e de confusões que arrumava.


Ninguém conhece detalhes

do nascimento de Pinto

na transição de dois séculos,

o dezenove e o vinte.


No Ceará, Paraíba,

Rio de Janeiro e São Paulo,

de Pernambuco à Bahia,

Rio Grande do Norte e Alagoas


e em mais cidades e estados,

pelo País espalhado

o seu repente certeiro

se deflagrou, floresceu.


Pinto em média viveu

noventa anos no mundo.

E o povo jamais esqueceu

do seu improviso profundo.


V

Encontrei Mestre Pinto

lendo ciência e história,

não dispensando a Bíblia

para cantar sem vanglória

o que aprendia dos livros.


Encontrei Mestre Pinto

tranquilo em seu reinado,

um velho revólver à cinta,

porque não abria parada

para malandro ou polícia.


Encontrei Mestre Pinto

e sua pisada era forte,

sua bengala atrevida,

destemeroso do corte

da traiçoeira parnaíba.


Encontrei Mestre Pinto

em lucidez malcriado,

e conversamos bastante,

e o visitei vezes sem conta,

naquele tempo em Sertânia.

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