SOB UM CÉU DE DOMINGO
Este é o título de uma novela do escritor pernambucano Paulo Caldas, publicada em 2009 pelas Edições Bagaço. Tendo incursionado pelo ensaio e pela narrativa infanto-juvenil, mais recentemente Caldas vem trabalhando a ficção que contempla a novela e o romance. Sob um céu de domingo é uma narrativa desconcertante, de personagens fortes que se removem na ambientação movediça que caracteriza países da América do Sul em estado de golpe ou sitiados.
A personagem central, cujo nome só se sabe ao fim da narrativa, estabelece um diálogo e uma relação amorosa com outra personagem, Camila. Deliberadamente oculta, Camila em nenhum instante se manifesta. Mas persiste a dúvida, em todo o texto, se a personagem redonda e definidora é feminina ou masculina, quando enfim descobre-se o seu nome: Adelaide. Quando Adelaide e sua mãe são exiladas, percorrem um roteiro que inclui a saída pela Ilha de Trinidad e o Brasil como ponto de chegada.
Em São Paulo, são esmiuçadas vivências de uma família pequeno-burguesa, com seus costumes arraigados e seus desvios subliminares e latentes. Os mortos descem dos retratos e mostram seu desempenho fantasmagórico e sua voz inaudível. Alguns dos vivos parecem estar mortos em vida. A casa dos Cordeiro Farias é controlada com mão de ferro por Adelaide, a matriarca que não se importa com os filhos, irmãos e com a neta Adelaide.
Uma figura marcante no livro é Gabriel, obsessionado pela morte dos outros e a própria: “Deitava-se no chão, junto ao aparador, à meia-noite, rodeado de velas acesas; maquiava as faces de pó de arroz, passava lápis de sobrancelhas enegrecendo em volta das pálpebras e vestia uma mortalha branca. Exigia que os empregados cantassem réquiens, carpissem seu féretro e rezassem o terço até a última conta do rosário. Como a morte não acontecia se levantava irritado a insultar os santos, anjos, arcanjos, serafins, querubins; blasfemava aos gritos e gargalhadas para em seguida, ofegante, se recolher ao quarto e dormir”.
Paulo Caldas reveza momentos de um estilo rebuscado (para nomear e descrever a paisagem exterior ou as disposições internas de lugares e objetos) com outra faceta mais acessível e derivada do popular (através de ditos e chistes, de palavras articuladas no estágio bruto da linguagem oral). Montagens e colagens de títulos de livros de outros autores, fragmentos de letras de música, versos soltos e recortados são introduzidos aleatoriamente em frases e parágrafos. Aliás, este recurso também aparece em parte em seu livro de 2007, A lua em sagitário.
A intencionalidade do autor fica clara no percurso de um texto que não mais se quer experimental, mas revela sua inteireza na análise dos sentimentos humanos e na apresentação de situações do embate político ditadura vs. democracia que configura o continente americano. O introspectivo aqui, paradoxalmente, cede lugar ao diálogo franco e à exposição de motivos tradicionais e familiares. Aflora-se, assim, o conjunto arbitrário das posturas, atitudes e hábitos arraigados proporcionados pelas dominações seculares que, ao fim, são questionadas e combatidas pela revolta que impulsiona certos personagens.
UM POEMA DE RODRIGO PETRONIO
Rodrigo Petronio nasceu em São Paulo, em 1975. Poeta, ensaísta e filósofo, é na poesia que ele vem buscando um sentido, uma origem e uma essência vitais para o humano tanto em suas mais recônditas vivências, como naquelas de sabor inquietantemente terreno. O poema “Antítese” faz parte do seu livro Venho de um país selvagem (Topbooks, 2009). Rodrigo Petronio exercita, neste poema, a angústia da escrita que se situa no “hiato que vai da ideia à fala”. A capacidade de criar e sonhar limita-se com o transcendente e entra em confronto com o assustadoramente vulgar e cotidiano. E que, apesar de tudo, pode ensejar a realização do poema a partir de um duplo que está dentro e fora do poeta e do próprio poema feito negativa e afirmação, vazio e cosmicidade. O desequilíbrio do Ser na desarmonia do mundo revela-se pela atomização da alma:
O poema me espera, fora de mim,
Para que eu me realize nele.
A sua falta de essência me completa,
E o que sobra nele me extravasa:
Transbordo em seu sinal de menos:
Sua ausência de ser é minha casa.
Sustenho seu corpo, sem mistério.
Adentro seu espaço, sem pegadas.
Encontro-o quando perco o centro.
Menor que a parte, ele não me abarca.
Maior que o todo, ele é meu avesso.
Não é o mundo o que ele me revela.
Não é a mim mesmo que nele procuro.
Não é a poesia o que ele desperta.
Mas o hiato que vai da ideia à fala
Onde o coração bate mais livre.
Mergulhado na matéria mais precária,
Pulsa em nós ao ritmo da estrela
Tanto mais imortal em quanto vive,
Eternidade da luz que se apaga.
Isento da palavra que o aprisiona,
Alheio ao conceito que o mutila,
Imerso em cada coisa que o transcende,
Mergulhado no mundo sem limite:
Vou ao poema, retorno ao nada:
A voz me liberta de minha alma
E assim eu sou o Outro que me habita.
PARACHOQUES
Bons ou maus presságios não eliminam efeitos
nefastos ou positivos de um acontecimento em si.
CAOS
Caos total.
Caos totem.
Caos
também
trivial.
quinta-feira, 7 de janeiro de 2010
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