ATUALIDADE DE JOAQUIM NABUCO
Mesmo levando-se em conta os cem anos passados desde a morte de Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo a 17 de janeiro de 1910, verifica-se que o corpo básico de suas idéias e a força de sua atuação política e intelectual continuam vivos e instigantes. Isto pode ser referendado tanto pelas diversas obras que deixou escritas, nas quais privilegiou a abordagem de temas históricos, políticos e literários, quanto pela ação libertadora que exerceu em favor da Abolição da escravatura.
O campo de ação intelectual de Joaquim Nabuco caracteriza-se, desse modo, por uma escrita fortemente empenhada e com destinação política e histórica definida. Neste sentido, O Abolicionismo aparece como um de seus livros que alia um considerável esforço teórico e uma orientação prática inequívoca, porque claramente dirigido à propagação das suas idéias abolicionistas no Brasil.
A intervenção de Nabuco no espaço histórico-social das transições ocorrentes na época imperial envolvia ainda, de um modo mais incisivo e ampliado, a realização de numerosos discursos. Feitos quase sempre de improviso, tais discursos apresentavam-se ora como retórica política de campanha para deputado por Pernambuco, em comícios e ajuntamentos populares, ora já na condição de eleito, como oratória de luta parlamentar pela erradicação do regime escravagista. E aqui deve ser destacado também o seu papel de incentivador e organizador de sociedades abolicionistas, reunindo militantes e simpatizantes em torno daquela causa, inclusive com o funcionamento, por algum tempo, de uma dessas sociedades em sua própria residência.
Ao voltar-se para uma causa que não era exatamente a mesma de seus pares de aristocracia e origem, ele não permitiu que eventuais incoerências ou possíveis vacilações e instabilidades inibissem seus passos. Determinou para si mesmo uma práxis ética, destemida e consequente de atuação. E alcançou este estágio definidor em sua vida política, quando passou a assumir o confronto e a oposição direta aos representantes do sistema de trabalho escravo.
Em outra instância, logo após a Abolição, enfrentou com dignidade ímpar o fim do regime monárquico, mantendo-se fiel ao Imperador D. Pedro II e aos antigos companheiros monarquistas e liberais do regime deposto. Recolheu-se durante dez anos para dedicar-se aos livros que planejara escrever, a exemplo de Um estadista do Império, biografia de seu pai, o senador Nabuco de Araújo, e Minha formação, relato de suas próprias memórias e vivências pessoais. Este isolamento político não impediria, contudo, que no segundo decênio da República, e em nome de certo sentimento nacionalista, ele servisse ao país na condição de embaixador em Washington.
O fato relevante é que a história recente do Brasil não pode prescindir do testemunho e das reflexões estruturadas por Joaquim Nabuco em livros, artigos ou discursos, em especial nas últimas décadas do século 19. Essa revalidação do seu pensamento sustenta-se, nos nossos dias, principalmente no interesse histórico despertado pelo seu combate sem tréguas à exploração da raça negra. E pela resistência veiculada por ele, no seu tempo, a forças políticas e econômicas demasiado fraudulentas e discriminatórias, identificadas cotidianamente por práticas sociais de exclusão e dominação desenfreadas. No cerne de seu pensamento e concepção de mundo em raízes humanistas, Joaquim Nabuco desde sempre repudiou e combateu tais forças regressivas, que ainda hoje intentam retardar e atingir bastante de perto o desenvolvimento material e intelectual da sociedade brasileira.
BALMACEDA, GOLPE E SUICÍDIO NO CHILE
O livro Balmaceda de Joaquim Nabuco foi publicado em 4ª edição em São Paulo, em 2008, organizado por José Almino de Alencar. Resultante de um conjunto de textos escritos para jornal, onde Nabuco analisava a obra de Julio Bañados Espinosa sobre a saga presidencial e guerreira do estadista chileno José Manuel Balmaceda (1840-1891), tais artigos foram transformados em livro em 1895, no Rio de Janeiro. O trabalho de Nabuco aparece como um misto de biografia concentrada numa época particular e definidora do destino político de Balmaceda e de ensaio histórico que planejava abrir espaço para o parlamentarismo de fins do século 19, de vertente inglesa. Acossado pelos seus próprios ministros conservadores e de orientação parlamentarista, o presidente assiste à rebelião da marinha na costa de Valparaíso, o que o faz encetar um golpe de Estado e declarar a guerra em janeiro de 1891 no Chile. Estes atos o levarão à derrota e ao asilo numa legação argentina. Balmaceda mostrava-se um homem com uma visada no futuro científico e tecnológico americano, ao mesmo tempo em que agia com mão-de-ferro na defesa do presidencialismo. No capítulo “A tragédia”, Nabuco traça com imparcialidade o fim de Balmaceda, que se suicidou a 19 de setembro de 1891, motivado pela perda da guerra e do mandato.
(In: Continente, Ano VIII – Nº 94 – Outubro/2008; aqui, com pequenas alterações.)
UM POEMA DE BERTOLT BRECHT
O poeta alemão Bertolt Brecht (1898-1956) é mais conhecido por seu teatro do que pela poesia que fez. Em ambos, a ênfase maior é dada à vertente política. Contudo, existe o Brecht satírico, o que canta seus amores e as coisas simples do cotidiano, além do que escreveu poemas infantis. Com tradução de Paulo César de Souza, na virada do século foi publicada parte significativa de sua poesia no Brasil, sob o título Poemas (1913-1956). No livro Poemas de Svendborg, no bloco das Sátiras alemãs, encontra-se o poema “A queima de livros”. Mostra a indignação de “um poeta perseguido” que foi excluído da lista de livros a serem queimados. A sua poesia foi solenemente ignorada pelo regime, o que levou o poeta ao descontrole e à desrazão. A ironia está na carta em tom patético que escreveu aos donos do poder, pedindo para ser queimado. Para ele, mais valia ser execrado em inquisição pública do que ser esquecido, mesmo pelos inimigos. E assim para o poeta constituía demérito ser reconhecido popularmente e pelos seus pares, mas não ser considerado “verdadeiro” ou importante pelos seus oponentes. Leia-se o poema:
Quando o regime ordenou que fossem queimados publicamente
Os livros que continham saber pernicioso, e em toda parte
Fizeram bois arrastarem carros de livros
Para as pilhas em fogo, um poeta perseguido
Um dos melhores, estudando a lista dos livros queimados
Descobriu, horrorizado, que os seus
Haviam sido esquecidos. A cólera o fez correr
Célere até sua mesa, e escrever uma carta aos donos do poder.
Queimem-me! Escreveu com pena veloz. Queimem-me!
Não me façam uma coisa dessas! Não me deixem de lado! Eu não
Relatei sempre a verdade em meus livros? E agora tratam-me
Como um mentiroso! Eu lhes ordeno:
Queimem-me!
PARACHOQUES
Quem aprecia a fofoca, a calúnia e os jogos de maledicência
encontra farto material em sua própria e medíocre vivência.
COTIDIANAS
Um amigo de infância perdeu subitamente a filha numa idade impossível, há coisa de dois meses. Ela estava entrando na casa dos 20 anos. Fui conversar com ele, pouco antes do funeral, e um sentimento inevitável, misto de angústia e impotência, me deixou abalado e sem ação. Não dava obviamente para sentir a dor que o amigo estava passando. A imaginação, nestes casos, torna-se abismo indefinível entremeado de vazio e solidão. A solidariedade, constatei na ocasião, falha quase que totalmente. No silêncio e na mudez é que se pode, mesmo que superficialmente, absorver o que existe de desarrazoado num evento deste porte, de dimensão trágica inexplicável.
RELEITURAS
O velho e o mar (The old man and the sea) – Ernest Hemingway. O clássico de Hemingway (1899-1961) tem mais de 50 edições no Brasil. Fez com que o autor ganhasse mais notoriedade ainda do que já tinha, ao angariar os prêmios Pulitzer (1953) e Nobel (1954). A história do pescador Santiago, traduzida por Fernando de Castro Ferro, não traz apenas um tema edificante, mas expõe a vida de um homem em contato e conjunção com a natureza através do mar, seu grande companheiro, dos peixes, ventos estrelas, brisa, sol e pássaros. Santiago conversa com todos eles a partir de seu próprio monólogo interior e das reflexões aprendidas na solidão oceânica. Após 84 dias sem nada conseguir nas pescarias diárias, defronta-se com um peixe espadarte maior do que o seu barco. A luta entre ambos prolonga-se ao limite extremo, até que Santiago consegue, num esforço inaudito, matá-lo e amarrá-lo na lateral de seu barco. Outra luta começa, agora com os tubarões, que estão ávidos pela carne do peixe. Ao fim, Santiago chega ao porto de sua aldeia com os restos do peixe em forma de carcaça. Todos os atos do pescador são pensados, medidos e avaliados pelo acúmulo da experiência. Para se distrair um pouco, ele pensa nos grandes nomes e times de beisebol norte-americanos. E no único companheiro de pescaria que teve, o menino a quem ensinou todos os segredos da pesca. Santiago irmana-se ao mundo que o cerca, e que lhe ensinou também uma espécie de persistência que pouco se abala e a capacidade de resistir aos mais fortes desafios e entraves propostos no seu cotidiano incomum. Enredo que prima pela economia de personagens, o romance desvela o que pode existir de riqueza interna na vida simples e despojada de um homem que, apesar de precisar da carne dos peixes para viver, ponderava os seus atos e considerava-os como irmãos, companheiros e amigos.
O MORTO DEFINITIVO
A falta que o morto faz
só poderá ser sentida
quando ele morre de fato,
quando se percebe enfim
que demitiu-se da vida
e que já não está mais ali;
e se parente ou adversário,
se amigo-aderente ou afim,
ao fim quase nunca se sabe
quem é que pranteia o seu fim.
E quem se dispôs a encontrá-lo
pelo seu remover-se diário
decerto não tardará a deduzir
que a angústia por isso gerada,
o desespero ou a descrença no sim
não põe panos quentes em nada
e resume-se no irreversível
fato de que ele já não está mais aqui:
Apenas a sua face inerte e gelada
é o mais vívido sinal do seu fim.
sexta-feira, 15 de janeiro de 2010
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário