A ESTREIA DE ADMALDO MATOS NO ROMANCE
Imagine-se uma cidade de interior onde ocorre a morte inesperada e violenta de uma mulher bonita e de família tradicional, desejada pelos homens e invejada pelas outras mulheres. Tudo passa a girar em torno do episódio, da tragicidade rara que surpreende e envolve habitantes, mobilizando conversas e comentários. O crime se constitui em objeto narrativo deflagrador do romance de estreia de Admaldo Matos de Assis, A muralha e o cavalo (Recife, Bagaço, 2010). Próxima à capital, a cidade oscila no intermédio entre o rural e o urbano e enseja a ambientação na qual os personagens transitam, com seus perfis humanos de caracteres diferenciados.
É aí que entra o aspirante a detetive João Bosco, escrivão de polícia, exercendo a função de delegado interino. Passa a investigar o provável assassinato de Ritinha por envenenamento, sem descartar inteiramente a hipótese de suicídio. E para isso recorre aos recursos possíveis e imagináveis à mão e ao raciocínio de quem se encontra impregnado de ficção policial. Pressionado pela incerteza de sua nomeação, o interino pretende dar o melhor de si. A sua jornada investigativa ultrapassa a cidadezinha e chega à capital Recife. Seu desempenho no caso divide a opinião pública. Ao fim, Bosco, sustentado na ética pessoal e na clareza de propósitos, fracassa. Perde tudo: o emprego, a namorada, o apoio de amigos, restando apenas os parentes próximos. Desiste do suicídio após a morte do pai e reergue-se para a vida.
Este “sucesso” em forma de crime da década de 1950, acontecido ou não, é o elemento motivador da parte I de A muralha e o cavalo, “Morte e mistério”. O leitor, preso nas malhas da surpresa elucidativa sempre adiada, provavelmente relutará em abandonar o livro, que poderia resolver-se, sem prejuízo do restante das páginas, nessa parte inicial. Na parte II, “Vida sem mistério”, o tom oscila entre o ensaístico, o descritivo e o memorialístico, além de ser promovida a atualização e explicitadas as transformações operadas na cidade ao largo do tempo, que tudo leva a crer ser Gravatá, onde o escritor nasceu. A parte III, “Desenlaces”, na qual um João Bosco idoso descobre, por acaso, o assassino de Ritinha, serve como arremate da primeira, mas já sem o impacto desta. Seja como for, Admaldo Matos mostra, com seu romance, a que veio. Trabalha com conhecimento de causa, a partir de enredo e narrativa que funcionam satisfatoriamente, além de estilo seguro e amadurecido. O que é motivo bastante para a recomendação urgente da leitura do seu romance.
Diario de Pernambuco, 27 de dezembro de 2010
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