quinta-feira, 24 de março de 2011

Notas Cotidianas e Literárias LXVIII

ENTREVISTA VIRTUAL À JORNALISTA MÔNICA MELO

No mês de janeiro deste ano, a jornalista Mônica Melo solicitou-me respostas a nove perguntas sobre literatura e cultura. Penso que essas questões deveriam chegar ao conhecimento público, já que somente alguns trechos da entrevista foram aproveitados pela jornalista em reportagem para um jornal local. Publico-a agora na integra, e espero que os eventuais leitores deste blog façam bom proveito.

1) Como era concebida a questão da autoria antigamente? Como as escolas literárias concebiam a figura do autor? O autor no pedestal? Inacessível?
R - Até o século 19, muitos autores assinavam seus textos de poesia e prosa sob pseudônimo. Isso acontecia em vários países do mundo, inclusive no Brasil e em Portugal. O escritor ou poeta, se por um lado era admirado, por outro não era bem visto por aqueles que faziam parte das classes produtivas. As escolas literárias eram compostas de pequenos grupos de escritores, alguns de grande importância, e os restantes que eram chamados de epígonos. Exemplo: no Parnasianismo brasileiro havia a tríade de poetas consagrados: Olavo Bilac, Raimundo Correia e Alberto de Oliveira. Todos os outros parnasianos eram considerados seguidores destes três. E assim também em outras escolas. O que determinava a relação com o público era a obra realizada satisfatoriamente: o bom poema e o bom romance, que se espalhavam entre as pessoas a partir da publicação em jornal (eram comuns os folhetins, a publicação das obras em capítulos) ou livro, e no boca a boca (a prática da recitação era também bastante comum) e ainda nos saraus literários da burguesia. Para que um autor se isolasse na torre de marfim, creio que já deveria ser de algum modo conhecido, e isto revelava um trabalho anterior de divulgação. Ao evitar o contato mais elastecido com as pessoas no cotidiano, duas coisas poderiam estar acontecendo: o autor recolhia-se para escrever a obra que dele se esperava, ou estava a padecer de um surto egocêntrico ou de um excesso de estrelismo. Contudo, em todas as escolas literárias existiam também aqueles que transitavam o tempo todo nas ruas, restaurantes, teatros, saraus, footings e outros lugares e eventos públicos.

2) Em contraponto, como hoje a imagem do autor se apresenta? Como você analisa essas intervenções literárias deles dentro das livrarias, apresentações em festivais, postagens literárias na rede? Quais as preocupações para além da obra literária?
R - Os autores hoje são bastante midiáticos. Poucos resistem a uma nota de jornal, uma resenha, um estudo acadêmico de seus textos. Alguns não guardam nenhum pudor em aparecer, e aí não importa a forma ou o veículo. Resta saber se estão produzindo boa literatura ou se se vinculam ao espaço público apenas por vaidade, sem nenhuma espécie de autocrítica. Acredito que as intervenções e eventos diversos contribuem para a ampliação do campo literário, o que é importante e definidor, tanto para o conjunto de autores de uma época, quanto para a veiculação da própria literatura num país de poucos leitores.

3) Como você caracterizaria essa mudança? Uma dessacralização da figura do autor? Qual nome você considera apropriado para essa mudança de postura do autor (de querer visibilidade) e de percepção do público sobre o autor?
R - Essa mudança é benéfica no sentido de facilitar ao autor o acesso a novos canais de divulgação. Por outro lado, nem todos têm a devida consciência estética, tanto do próprio trabalho, quanto do trabalho que realizam os seus pares. Há alguns autores consagrados que ainda se mostram bastante reservados: resistem ao celular, ao desktop ou ao notebook, às redes sociais. Mas estes casos são raros. As novas mídias são, atualmente, uma necessidade de todas as pessoas. Seria paradoxal um autor que escreve para o presente ou o futuro recusar-se a utilizar as tecnologias da informação. Penso que os autores, mesmo aqueles que viviam nas torres de marfim, desejavam ser reconhecidos, e se não investiam muito no presente em que viviam, investiam fortemente numa escrita para a posteridade. Tudo isto me lembra o excelente livro de Tom Wolfe, A Fogueira das vaidades (The Bonfire of the Vanities), de 1987, obra do Novo Jornalismo. À falta de um nome adequado para essa transformação, deixaria este como sugestão: “Fogueira das vaidades”.

4) Nesse sentido, o autor criou personagens para si mesmos? (um Carpinejar, por exemplo, que posta no Twitter aforismos. Um perfil é ali apresentado ao público...)
R - Carpinejar talvez tenha percebido que a poesia não se presta a uma tão grande divulgação como a prosa minimalista. Espero que ele não tenha assassinado o poeta dentro de si. Os aforismos que posta o tempo todo podem ser apenas um substrato para a poesia que gostaria de tornar mais e mais conhecida. Em 140 caracteres cada “tuiteiro” faz a opção que melhor lhe cai como carapuça.

5) Em tempos de construções literárias "sobrepostas" nas redes (criação coletiva), como passa a ser considerado no meio acadêmico (na versão "oficial") a reivindicação da autoria, da originalidade?
R - Não há nenhum problema na autoria coletiva. Desde que não haja plágio ou apropriação indébita para utilização em outro espaço de mídia. Desde que todos estejam de acordo com quem criou o quê, ou que todos assinem o que escreveram simultaneamente. Tudo isso ficará registrado na rede porventura utilizada.

6) A questão da autoria hoje está mais próxima de que escola literária? De que tendência, vanguarda ou próxima ao pensamento de que teórico(s) contemporâneo(s)?
R - Imagino que a questão da autoria se fragmenta entre os preceitos da estética da recepção alemã e os efeitos da desconstrução derridiana. Mas isto exigiria uma discussão mais ampla e cuidadosa. No caso brasileiro, o movimento concretista foi exímio em estabelecer contatos internacionais, em inserir o Brasil nos países chamados desenvolvidos a partir da literatura vanguardista. Decio Pignatari e os irmãos Campos anteciparam toda uma tecnologia como prática do poema minimalista e como forma rápida e visualizada de divulgação. Basta dizer que eles inauguraram uma espécie de exportabilidade vanguardista no Brasil, com a associação, a partir de 1955, com vanguardistas de todo o planeta e exportando a própria poesia e teoria do concretismo.

7) Hoje eles se preocupam com a imagem, divulgação das obras, inclusive, há os que interrompem a produção por um tempo para cumprir agenda: dedicar-se a apresentações em festivais,
bienais, festas literárias. Como você analisa essa postura?
R - É uma postura necessária e remete novamente à torre de marfim: no mundo veloz de hoje, ninguém pode ficar em casa esperando que sua obra caminhe por si mesma. Há autores e livros aparecendo a cada minuto. O autor deve intervir, sim, vender o seu peixe. A sua repercussão ou anonimato depende desses contatos com outros autores, leitores, editores e jornalistas.

8) Vou trazer na matéria o exemplo do Sarau Plural, promovido por temporadas (mensalmente) pela Arte Plural Galeria. Como você enxerga, inclusive historicamente, o sarau literário como espaço para
o autor se apresentar à sua maneira?
R - O sarau literário existia, em outro formato, desde os tempos imperiais, nas casas de nobres aficionados da literatura e da música, como já fiz referência acima. Mas o Sarau Plural tem um papel importantíssimo, a partir dos depoimentos dos convidados de várias modalidades artísticas. O testemunho dos artistas e de outras pessoas ligadas à cultura, envolve colocações que somente afloram naquele preciso instante, improvisadas, espontâneas, não aparecendo em outras ocasiões do modo como apareceram ali.

9) Nesse contexto de visibilidade a que o autor se lança, como podemos inserir as aulas-espetáculo de Ariano Suassuna?
R - Alguns trabalhos pontuais precisam do mínimo de dinheiro público. Eventos que às vezes se tornam mais importantes para uma cidade do que as costumeiras apresentações diversificadas em festivais, shows, oficinas, congressos, palestras. Um trabalho subterrâneo e sem alarde midiático, de poesia, fala e teatro popular, a exemplo do que faz Ariano Suassuna. Composto de aulas que param e mobilizam as numerosas cidades aonde chegam, mesmo sendo a divulgação restrita. Os resultados mostram-se avassaladores, pois exibem momentos e funções populares de alegria autêntica, conscientização artística e interação criativa.

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