sábado, 25 de dezembro de 2010

Notas Cotidianas e Literárias XXXIX

Foto: Ursula Newmann

AOS AMIGOS E VISITANTES DO BLOG
COM VOTOS DE UM FELIZ 2011

Antes de qualquer conversa, começo por desejar um 2011 de intensas e múltipas realizações a todas as pessoas que conheço ou convivo cotidianamente. Sem discriminação de gênero ou de outras roupagens e feitios, aí estão incluídos amigos, familiares, vizinhos, conterrâneos, companheiros de jornada, conhecidos de longe ou de perto. Isso se estende também a desconhecidos de quem talvez venha a ser amigo um dia, e mesmo ainda àqueles com quem me desavim por algum motivo que se mostra, no instante em que escrevo, com a sua importância relativizada. Nesta listagem não poderia esquecer, de modo nenhum, os visitantes deste blog que mantenho há um ano. Com alguns, faço contato presencial e com outros, apenas virtualmente. Com ambos, os sinais de amizade são reforçados pelo gosto da literatura.

Aliás, neste âmbito, o ano que finda foi bastante produtivo, em especial para os projetos coletivos. O acontecimento literário mais importante foi, certamente, a realização da Fliporto em Olinda, no mês de novembro. Nossa participação direta se deu com o lançamento do livro Cronistas de Pernambuco, em colaboração com Antônio Campos, curador da festa, como parte de um projeto maior da editora Carpe Diem, a trilogia Pernambuco em antologias. Atendendo ao convite de Sérgio Pires e Fátima Falbo, da agência publicitária Atma Promo, realizamos, até agora, três mesas-redondas sobre Carlos Pena Filho e sua obra, na condição de eventos internos à exposição Carlos Pena Filho: 50 anos de memória, no Santander Cultural. Dispusemos de uma boa cobertura da imprensa e participamos do livro em formato álbum que leva o nome da exposição. Esperamos concluir algum projeto que restou inacabado em 2010 ou de anos anteriores.

Mantivemos uma forte interação com a blogosfera através da reprodução de textos e publicação de inéditos em espaços locais e de outros estados. Destacamos, no Recife, o Jornal da Besta Fubana, do escritor Luiz Berto, que hospedou a nossa coluna “O Mundo Circundante”; o blog NotaPE que, através de Cristiano Ramos, nos abrigou como colaborador. Fizemos também intervenções no Interpoética, Portal Vermelho, Substantivo Plural, Literatura sem Fronteiras, para citar apenas estes. Publicamos em maior ocorrência textos de poesia e crítica literária no blog Literário, de Pedro Bondaczuk, de Campinas (SP).

Não é novidade para ninguém que o mundo se transforma a cada segundo. Mudam crenças pessoais, hábitos sociais, culturas aparentemente solidificadas, orientações éticas e valores políticos, e ainda a concepção histórica e teórica de sistemas filosóficos, literários e artísticos. Algumas mudanças são imperceptíveis inicialmente, mas com a passagem do tempo acostuma-se a elas. E é neste sentido que mudaram flagrantemente as formas de comunicação, com a chegada das redes sociais e dos espaços de divulgação proporcionados por sites e blogs.

Acima de qualquer coisa, permanecemos humanos e nenhuma transformação terrena pode mudar isso, exceto a morte, este sumidouro do desconhecido. Humanos e perecíveis, nosso nome somente servirá de herança e repasto se deixarmos alguma obra de relevância para quem virá depois. O que se reafirma como algo de extrema dificuldade, pois requer a junção perfeita do que a inteligência pensou e o talento facilitou ao espírito criativo. E assim uma espécie de compulsão criativa se veicula nos diversos setores do conhecimento e da arte, resultando em obras que tanto poderão ter a sua duração elastecida como simplesmente ficarem esquecidas até que alguém as resgate do limbo e as exponha a uma visualidade inesperada. Tais obras, configuradas por livros, quadros, esculturas, filmes, imagens fotográficas, composições musicais, prédios de valor patrimonial e artístico,  contudo, não estão imunes à destruição pelas não tão improváveis catástrofes que assolam países, como produto das guerras localizadas e das forças cósmicas da Natureza, que não entram em acordo nem rendem tributos ao homem quando querem se manifestar.

Expressamos os nossos melhores agradecimentos aos seguidores e a todos aqueles que enviaram, através de e-mails, inclusive de outros países, uma quantidade significativa e especial de comentários aos escritos do blog, embora alguns não necessariamente para que os publicássemos. Aos que nos enviaram livros, informamos que, na medida do possível, realizamos as respectivas leituras, mesmo que muitos deles não tenham sido comentados ou avaliados em texto ou artigo.

E que em 2011 continuemos a trabalhar a literatura, partilhando-a fraternalmente nos instantes, situações e vivências possíveis.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Notas Cotidianas e Literárias XXXVIII

DIAS DE REPENSAR O NATAL & OUTRAS COISAS

1.

            Pensar o Natal como algo simples e não simplório, inteligível e sem complexidades demasiadas, que chegue a alguém na forma de dádiva ou presente. Exemplos iniciais desdobram-se em mais outros: um texto que se espalha sem as vaidades de seu autor, uma fala desvestida do circunstancialismo do seu locutor, um abraço sem as garras traiçoeiras do tamanduá ou da serpente. Muitos não apreciam a leitura, mas isso não serve de motivo para se abandonar a nobre causa da palavra dançando luminosa ou obscura nos feitios da página. A maioria das pessoas prefere saber mais lidar com números, contas, placas, anúncios, cifrões, receitas, marcas, referências. Observando-se bem, há sempre o amigo, o vizinho, o parente, o conhecido ou o desconhecido total que não perderam de todo a paciência e a inclinação para a leitura, a quem interessa tanto o calor do abraço quanto a poesia da vida e das coisas. São estes que justificam qualquer mensagem escrita, qualquer esboço permeado de misterioso sentido criativo. E que se esmeram em aguçar talvez com certo exagero os ouvidos, absorvendo a fala transmitida por quem mais desenvolto e astuto.

2.

            Um pouco de festa não faz mal a ninguém. Pão e circo. Carnaval e caviar. Vinho e celebração. Quermesse e roleta, carrossel e cachaça. A transgressão e a fartura, mesmo que ilusórias e passageiras, se reivindicam necessárias. Ninguém pode ser tão rígido ao ponto de não se permitir, de vez em quando, quebrar as regras vigentes. Desde que não cause dano ou lesão a outrem. Através do humor brincante certeiro e sincero de gente modesta e despojada constata-se a verdade das pequenas alegrias. Os jogos e brincadeiras em família cujos membros, pares e casais ainda não se desintegraram, podem ser deveras estimulantes e facilitar o bom convívio. Entretanto, logo se intui e após se verifica que algo se perdeu da harmonia, da solidariedade e do espírito de grupo ancestrais entranhados na essência do humano.

3.

Os que estão mergulhados em um tédio existencial alargado e depressivo, ou em algum projeto intelectual de perquirições e pesquisas insolúveis e imponderáveis, sujeitam-se a aprovar o rol das novidades surgidas a cada segundo. É um sinal de que não conseguem alcançar o segredo e o mistério mais antigos embutidos nas águas profundas da arte e da filosofia, a grande atração sensorial da poesia, da pintura e da música. Uma constatação insofismável aponta para o fato de que, em décadas recentes, aqueles que vêm tocando eventos científicos assumiram a multiplicidade meganumérica alojada nas tecnologias da informação, as supostas e reais desordens internas da entropia terrena e os princípios da incerteza vetorizados para a consecução de certezas aplicáveis, práticas e demonstráveis. E assim ultrapassaram em escala notável as injunções imemoriais da metafísica, as aplicações mecânicas e relativísticas e as desvirtuações atômicas desastrosas de um mundo contemporâneo até há pouco menos caótico, porém para eles superado.

4.

Estabelecer teses e reflexões impossíveis de abrangência para país tão imenso e por natureza contraditório já na sua origem, traz o risco óbvio da dispersão e da generalidade. A favela na alça de mira das sentinelas afincadas nos postos militares de observação traduz a distância exata e mínima de um tiro de grosso calibre. Um movimento inverso também se enseja no manejo desarrazoado, amador e sanguinário dos rifles e metralhadoras oriundos de transações internacionais circunvizinhas da alta contravenção. Aqui se encontra envolvido o que de antemão já se sabe: as variáveis estatísticas da quantidade rumorosa e midiática de sequestros, assaltos, estupros e assassinatos coletivos no mundo todo. Tal surto de violência inédita é reforçado pela disseminação desenfreada do tráfico de narcóticos, de bugigangas eletrônicas e objetos de uso doméstico caros e luxuosos, além da escravidão moderna e da comercialização dos próprios seres humanos e seus órgãos.

5.

Nos setores da política e das finanças nada mais causa espanto, a não ser a ausência de novos escândalos. Se existe uma lei constituída e em curso, mais fácil desrespeitá-la em nome de ambições pessoais geradas no cerne das confusões ideológicas. A neutralidade e o distanciamento da sociedade civil do debate político refletem o desvirtuamento e a desconfiança com relação ao caldeirão ideológico utilitário de feições, destinos e facetas diversas. Uma parcela ínfima insiste na opção primordial de luta pela melhoria de vida dos excluídos e pobres de toda sorte. Poucos assumem o combate feito em nome de numerosas mudanças sociais e políticas, que algum dia talvez possam passar do estágio de quimera a sonho realizado, ou mais propriamente, semi-realizado. No mesmo passo, a maioria assiste à proliferação dos absurdos políticos com um olhar cético, desencantado e questionador.

6.

Militantes profissionais equivocados e antiéticos nem sempre correspondem ao que se espera politicamente deles. Guardam invariavelmente um lugarzinho em casa ou no trabalho, na pasta ou na gaveta, no bolso furado ou na bolsa íntima, para um pró-labore que jamais mereceram. Tais coisas acontecem no mesmo país onde a manutenção sutil ou a substituição brusca de quadros políticos se reafirmam como formalizações democráticas insustentáveis. As posições fragilizadas, extorsivas e ressentidas dos que foram preteridos se manifestam através do fracasso das negociações veladas e das conversas enviesadas, nas quais desaba no chão qualquer espécie ou noção de decoro pessoal ou público. Porque nossas melhores lições de democracia originam-se da verve e da práxis do próprio povo brasileiro e muito menos da parte de quem o dirige ou oprime.

7.

Pensar o Natal como algo revelador – um texto, um abraço, uma fala – de esperança e futuro é ofício de quem não se desgarrou em absoluto da vida e da luta. E é tarefa também de quem se permite sonhar, por mais que o sonho se mostre frágil e à aparência inconsistente. Externa, de modo enfático, a atitude de quem persiste, aprisionado embora, nas malhas e rituais de um  presente encetado em perspectiva fechada e idealizado somente. De quem não deixou de acreditar na busca incessante de um futuro menos sombrio e ainda distante e inalcançado.