terça-feira, 12 de julho de 2011

Notas Cotidianas e Literárias CI

UMA CARTA DE JULIO CORTÁZAR

No extenso artigo Misteriosa entrega e mudança de si mesmo (Piauí, nº 58, jul. 2011, pp. 60-70), Davi Arrigucci Jr. apresenta uma pequena série de cartas escritas por Julio Cortázar ao seu amigo o poeta e pintor Eduardo Jonquières. A correspondência, com quase 130 cartas, ainda é inédita em português, e as cartas presentes no artigo foram traduzidas por Josely Vianna Baptista. Na carta publicada abaixo, Cortázar faz um breve comentário sobre Avalovara, de Osman Lins. E arremata com referências elogiosas à obra de Clarice Lispector e do próprio Osman.
 

Manágua,

24 de fevereiro de 1983

Querido Eduardo:

Pode ser que esta carta chegue até você depois de meu regresso a Paris, considerando que o correio é muito lento nestas latitudes; em todo caso, vou enviá-la para agradecer a sua, que me alegrou receber aqui. Como em viagens anteriores, Tomasello [Pintor e escultor argentino] tratou de me reenviar a correspondência e, de quebra, dar uma olhada no apartamento vazio há tanto tempo. Volto no dia 10 de março, depois de viajar para o México daqui, via Havana.

            Vou lhe falar pouco de mim, estou tão desolado que tenho dificuldade em me reconhecer toda vez que acordo. [Carol Dunlop, a última esposa de Cortázar, falecera em 2 de novembro de 1982.] Só o trabalho vem um pouco em minha ajuda, que não me faltou na Nicarágua. Entre outras coisas, esses loucos tão queridos decidiram me homenagear com a Ordem de Ruben Darío, o que me emocionou muito porque é a primeira vez que a concedem a um estrangeiro. Tive de preparar um discurso e ser protagonista de uma dessas cerimônias que a gente vê tantas vezes no cinema ou na televisão: mas, neste caso, havia tanto carinho por parte dos dirigentes e do público que  o lado protocolar não me incomodou nem um pouco. Deram-me uma fita com a gravação do ato e dos discursos (Sergio Ramírez leu um que reivindica a personalidade inteira de Darío, não somente os cisnes e o modernismo); se quiser podemos passá-la em Paris na casa de alguém que tenha o aparelho de vídeo, e você poderá vislumbrar uma das facetas deste país tão ameaçado, tão pobre e tão amável.

            Afora isso, estive em expedições fronteiriças que me deixaram fraco e destroçado por mosquitos e outros insetos com uma clara vocação contrarrevolucionária. Tentando descansar dessa aventura, fui com os Flakoll a Corn Island, um pequeno paraíso à base de coqueiros e lagostas, a uma hora e meia de teco-teco de Manágua, na costa atlântica. E justamente lá eu tive uma nova cólica renal, desta vez de matar, que me deixou só pele e osso pelas dores, vômitos e pedrinhas por fim expelidas. Não estou nada bem nessa ida para o México, e na volta consultarei Elmaleh para ver como dar a volta por cima. O que mais me custa é lutar contra uma espécie de atonia ou de indiferença que nunca fez parte de minha personalidade; mas hoje em dia a química sabe somo injetar-nos ao menos um grau normal de vitalidade.]

            Alegra-me saber que você gostou tanto de Avalovara, pois ainda que eu não me lembre dele em detalhes, ficou em mim como uma grande experiência de leitura. Coisa como a imagem de “Cecília, rodeada de leões”, perduram em minha má memória destes tempos. Às vezes penso que o que o li de mais forte nos últimos dez anos é a obra de dois brasileiros, Clarice Lispector e Osman Lins; dá vontade, quase, de me aventurar ao português em busca de outras coisas que talvez existam.

Assim que eu voltar nos vemos. Um abraço bem forte,

Julio

Notas Cotidianas e Literárias C

A SUBSERVIÊNCIA E SUAS DIVISÕES

Ângelo Monteiro

A primeira das nossas subserviências é ao tempo. A última moda, uma vez instalada, adquire a consistência dos ditames milenares. Quanto ao passado, retém-se apenas o que houve ou possa ainda haver nele de repetitivo. Assim como o último cacoete se torna dono da situação, uma cólica do passado passa a comandar as nossas vidas. Chamemo-la, pois, de subserviência temporal.

A segunda das nossas subserviências, que se entronca na primeira, é a subserviência antológica. Um soneto cretino do passado, ou uma modinha da mais baixa categoria, agarra-se vigorosamente à nossa sólida memória nacional – aliás, memória sem memória –, como remos presos às costas dos condenados às galés, sem que possamos nos desvencilhar de semelhante feitiçaria. Um poeta brasileiro, que um dia cismou de cantar as pombas, está hoje sentenciado, por toda a eternidade, pela maldição de jamais desprender tais pombas de sua vida. Ai dos condenados às antologias! Ai das pombas ou das cigarras que não morrerão jamais! Entre as condenações, talvez não haja pior, nesses casos, do que se estar condenado a não ser esquecido, pois o esquecimento também salva. Mas é dessa forma que muitos lavam a burra entre nós. Por um nada não são poucos os que chegam à gloria eterna; por um tudo, ao contrário, muitos se defrontam com seu próprio sepultamento sob as dunas do esquecimento e da morte.

            A terceira de nossas subserviências é ao exterior. Basta um débil mental cruzar o Atlântico, em demanda de outros ares, para ganhar entre nós a estatura de gênio. A rendição dos nossos ao que for de fora nos permite a indizível graça de jamais atingirmos o conhecimento de nós mesmos. Só nos rendemos, fora disso, ao que houver de pior dentro da nossa formação. Norma da subserviência do exterior: ser sempre no outro aquilo que não conseguimos ser para nós próprios.

A quarta das nossas subserviências é à convenção de respeitabilidade. Fazer-se respeitável, ou parecer respeitável, veio a constituir-se na ânsia suprema do nosso espírito. A sanção acadêmica, as glórias adquiridas, à dura força, pela autolouvação ou lavação grupal: assim se alcança o remate da nossa trajetória existencial. Essa é a subserviência ao respeitável.

A quinta das nossas subserviências é o culto do chefe, seja qual for o chefe, mesmo sem ser chefe de jeito nenhum: ser chefe é, de certo modo, participar da divindade. Rir e chorar com o chefe: tal a norma de tal subserviência, a subserviência ao chefe. Os múltiplos coronelismos regionais, transplantados para as letras, as ciências e as artes, encarregam-se de fazer o resto até culminar na transformação do culto do chefe em dogma, jamais periclitante ou moribundo. Dessa forma, não poucos têm deixapo de lavar a sua burra. O chefe está em tudo, multiplicado em chefes, embora não haja chefe algum. De um ponto de vista teológico, teríamos a diluição do chefe nos chefes. A infinita multiplicidade deles terminou por gerar uma espécie de panteísmo do chefe.

Outras espécies de subserviência podem se considerar ramificações das cinco formas assinaladas. Essa subserviência ampla, total, abissal – com suas frentes, seus acordos, suas miscigenações ideológicas, etc. –, não seria a nossa forma de nos inclinarmos metafisicamente à totalidade do real que até agora conseguimos apreender?

Esse desejo de lavar a burra, de qualquer jeito, não seria ainda, de nossa parte, uma tentativa de ratificar, pela continuidade da rotina – aqui adorada como um deus ou como o perpétuo devir –, o preceito áureo do deixa-disso, ou do deixa-pra-lá, para ver de que jeito a coisa um dia fica? Lavemos a burra, irmãos. E viva a nossa inocência!
 

In: Monteiro, Ângelo. “Tratado da lavação da burra ou introdução à transcendência”. Escolha e sobrevivência: ensaios de educação estética. São Paulo: É Realizações, 2004.

Notas Cotidianas e Literárias XCIX

DOIS POEMAS DE MICHELINY VERUNSCHK


HISTÓRIA

Desenterrar os mortos
e chupar seus ossos,
sugar seu mosto
de terra e sangue seco,
seu gosto secreto
de anos infindáveis,
arcos,
costelas,
arquitetura.

Se infeccionar com os mortos.
Triturar seus artelhos
de esponja ressequida,
pintar de negro e noite
de dentes e saliva
e abandonar o sonho
viva, muito viva.



ARRECIFE

Desse ponto
partem distâncias imaginárias
que contam
das reais distâncias entre nós.
Um homem posto
à frente de uma janela
é o fantasma de si mesmo
suspenso por linhas
e cores improváveis.
Somos ele
e ele é todos nós
como se não fôssemos
(ainda)
a cidade em seu entorno.
Somos ele
e seus ombros caídos.
Somos ele
e seu rosto roído pelos peixes.
Somos ele
e as ruas estreitas
que o cortam
e que nele se impalam
como postes
travas
e outras saudades sem sentido
(como qualquer outra saudade).
Uma estátua
observa
a constelação das águas.
Sua roupa cinza
se agita
e veste por um instante
a pele nua do rio.
O homem se agita
e com ele
a cidade costurada
em nossas carnes.
Tudo cabe num selo
ou num traggo de cigarro.
Tudo cabe no verde
mais próximo do branco.
Tudo brada:
relógio ensandecido.
Somos o real
e nada somos.
E isso é tudo.

In: Verunschk, Micheliny. A cartografia da noite. São Paulo: Lumme Editor, 2010.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Notas Cotidianas e Literárias XCVIII


ANTONIO CANDIDO
OU O EXERCÍCIO PÚBLICO DA CRÍTICA

Luiz Carlos Monteiro

            Em torno do nome e da figura de Antonio Candido criou-se uma aura de grande prestígio intelectual. Ao longo de sete décadas, sua intervenção no campo cultural brasileiro tem envolvido a crítica literária, a militância política e a atividade docente em universidades paulistas. Nascido no Rio de Janeiro (24 de julho de 1918), Antonio Candido de Mello e Souza passou a infância e a adolescência em Minas Gerais. A essa época, viveu por cerca de dois anos na Europa, para onde viajou em fins de 1928com a família. Apenas em 1936 chega a São Paulo para estudar, onde mora até hoje.

            O ano de fundação da revista Clima – 1941 – coincide com o abandono do curso de Direito e o término de Ciências Sociais. Em Clima, Candido inicia-se na crítica literária. Conta em seu livro Recortes (1993), como abordou Drummond através de carta, solicitando-lhe colaboração: “Em 1943 escrevia a Drummond sem conhecê-lo, pedindo descaradamente colaboração para uma revista de jovens de que eu fazia parte. Ele respondeu com extraordinária cortesia, mandando palavras de estímulo e alguns poemas admiráveis, que depois apareceriam quase todos em Rosa do povo. Escolhemos três, que só foram sair dali a um ano, porque a revista passou por longo eclipse. Mas antes de acabar para sempre, no fim de 1944, pôde publicar em primeira mão um dos poemas mais belos e importantes da literatura brasileira contemporânea: ‘Procura da poesia’”.

            Eram outros componentes da revista Paulo Emílio Salles Gomes (seção de cinema), Lourival Gomes Machado (artes plásticas) e Décio de Almeida Prado (crítica teatral). Oswald de Andrade apelidou-os de “chato-boys”, incomodado porque a apresentação do primeiro número foi dada a Mário de Andrade, seu maior desafeto e intelectual mais respeitado no Brasil à época. Oswald queria significar com o apelido, como lembra um tanto autoironicamente Candido em Vários escritos (1977), rapazes “estudiosos, bem comportados, sérios antes do tempo”. Nesse livro multifacetado, o artigo “No raiar de Clarice Lispector” configura o texto de descoberta da escritora, publicado sob outras versões na Folha da Manhã (atual Folha de São Paulo) e no livro Brigada ligeira (1945). Ao analisar premonitoriamente Perto do coração selvagem, o crítico de vinte e cinco anos afirmará: “Com efeito, este romance é uma tentativa impressionante para levar a nossa língua canhestra a domínios pouco explorados, forçando-a a adaptar-se a um pensamento cheio de mistério, para o qual sentimos que a ficção não é um exercício ou uma aventura afetiva, mas um instrumento real do espírito, capaz de nos fazer penetrar em alguns dos labirintos mais retorcidos da mente”.

            Em Brigada ligeira, um de seus dois livros de estreia, escreverá sobre o romance Fogo morto, considerado a obra-prima de José Lins do Rego. Talvez pelo fato de caracterizá-lo como “o romance dos grandes personagens”, pouco acrescentará à análise do desempenho ficcional de José Lins, detendo-se preferencialmente na descrição parafrásica de tipos e heróis da decadência rural da burguesia paraibana. Posteriormente, tal procedimento ficará claro no texto “A personagem do romance”, incluído na obra coletiva A personagem de ficção (1987). Utilizará uma argumentação que fará a diferença entre a “necessária simplificação” sofrida por toda personagem na prática romanesca e “a aventura sem fim que é, na vida, o conhecimento do outro”.

            Compartimentado como um dos ensaios ficcionais de Tese e antítese (1978), “Os bichos do subterrâneo” traz à luz a obra de Graciliano Ramos. Não será a primeira vez que Candido estuda o escritor alagoano, tendo lhe dedicado em 1956 um livro inteiro, Ficção e confissão, reeditado em 1992. Em “Os bichos do subterrâneo”, a ficção de Graciliano é avaliada sob três aspectos, distinguidos pelo crítico como romances na primeira pessoa (Caetés, S. Bernardo e Angústia), narrativas em terceira pessoa (Vidas secas e Insônia) e obras autobiográficas (Infância, Memórias do cárcere). E esclarece: “Nos três setores encontramos obras-primas, seja de arte contida e despojada como S. Bernardo e Vidas secas; seja de imaginação lírica, como Infância; seja de tumultuosa exuberância, como Angústia. Em todas elas está presente a correção de escrita, a suprema expressividade da linguagem, a secura da visão do mundo, o acentuado pessimismo, a ausência de qualquer chantagem sentimental ou estilística”.

            Decerto a sua vivência inicial em cidades mineiras do interior levou-o a demonstrar empatia por personagens e seres reais do mundo rural. E a construir painéis interpretativos de reconhecida lucidez e equilíbrio, pois nem sempre escritores e pesquisadores aboletados nas metrópoles se saem bem neste campo. É assim que consagrará a literatura sertaneja de Guimarães Rosa estreante em meados da década de 1940. Desenvolverá também mais à frente, pesquisa sociológica sobre o caipira paulista e seus meios de vida, Os parceiros do Rio Bonito, sua tese de doutoramente em Ciências Sociais na USP.

            Dois livros estabelecem, de modo definidor, o percurso crítico de Candido: O método crítico de Silvio Romero (1945) e Literatura e sociedade (1964). Uma distância de quase vinte anos entre ambos não anula certos princípios teóricos que se encontram bem mais consolidados no segundo. Ao escolher Silvio Romero como autor modelar para as bases de sua crítica – e também para a obtenção da livre-docência na USP –, estava definindo e questionando as relações entre a sociologia e a literatura brasileira no século 19. Isto coincide, do ponto de vista histórico-literário, com a tentativa de decretação de morte do romantismo e consequente ascensão do positivismo crítico, fenômenos preconizados e defendidos por Romero. Tal crítica científica evoluirá, no futuro, para o formalismo exacerbado, de um lado, e de outro, para uma espécie de sociologismo do qual foi injustamente acusado o próprio Candido. Sua crítica, no entanto, como observou José Guilherme Merquior, não renega nunca, em termos assumidamente teóricos, a abordagem sociológica, notadamente em Literatura e sociedade. Em seus ensaios, a análise histórico-literária e formal de obras não sobrepuja o homem e os grupos sociais nelas presentes. Os escritores terão sempre um papel individual e uma função social definida em relação ao público, ao tempo e á contextualização da sociedade em que vivem.

            No entremeio dos dois livros acima referidos, Candido publicou, em 1959, os dois volumes do seu trabalho de maior fôlego, Formação da literatura brasileira (6ª edição, 1981), subintitulado “Momento decisivos”. Escrito entre os vinte e sete e os trinta e três anos, evidencia o seu preparo e maturidade para a extensão e a complexidade das temáticas e períodos literários abordados. Arcadismo e Romantismo são exaustivamente pesquisados, avaliados e estudados a partir de uma concepção sistêmica para a literatura brasileira. Esse seccionamento permitiu uma visão mais aprofundada dos dois movimentos, o que talvez não fosse possível se ele tivesse intentado escrever uma história da literatura brasileira nos moldes tradicionais. À prosa incipiente do Arcadismo, sucedeu-se uma prosa bem mais substancial no romantismo, com a consolidação do romance e os primeiros passos da crítica. A poesia arcádica ainda hoje é digna de nota e a poesia romântica estendeu-se pelo século 20 através, por exemplo, de momentos isolados na poesia de Manuel Bandeira, diretamente influenciado por Gonçalves Dias.

            Em parceria com a mulher, a professora Gilda de Mello e Souza – que, aliás, participou também do grupo de Clima –, escreveu a “Introdução” a Estrela da vida inteira, livro comemorativo dos oitenta anos de Manuel bandeira. A leitura empreendida da poesia bandeiriana é impecável e sem subterfúgios. Identifica-se o forte substrato inicial de confidência e penumbrismo em Bandeira, como a sua superação a partir da noção exata do “momento poético” no qual o poema realiza-se e adquire forma definitiva. A análise tangencia o que há de “essencial” nos versos do pernambucano: “Pode ser que o segredo dessa poesia condensada e fraterna esteja na capacidade de redução ao essencial –, tanto no plano dos temas quanto no das palavras. Essenciais, são a emoção direta da carne e a espontaneidade da ternura, sob as elaborações do sentimento amoroso; é a descrição direta dos gestos na selva intrincada do quotidiano; é o encontro de termo saliente, único, na difusão geral do discurso”.

            A educação pela noite (2000) reúne doze ensaios distribuídos entre poesia, ficção e crítica. Pode-se encontrar neles tanto esboços de história literária colonial e atual, quanto relações definidoras entre política, educação, sociologia e literatura. O ensaio “A nova narrativa” sintetiza, em visão panorâmica e despretensiosa, a ficção brasileira em diversos períodos. Finalizando com a década de 1970, Candido entrevê nesta uma “verdadeira legitimação da pluralidade”. Na sequência ele passa a indigitar o que chama de “textos indefiníveis”: romances que mais parecem reportagens; contos que não se distinguem de poemas ou crônicas, semeados de sinais e fotomontagens; autobiografias com tonalidade e técnica de romance; narrativas que são cenas de teatro; textos feitos com justaposição de recortes, documentos, lembranças, reflexões de  toda a sorte”. Contudo, reconhece o valor de prosadores como João Antônio e Rubem Fonseca, representantes do “realismo feroz”, ou Roberto Drummond, mais voltado para a “ruptura das normas”, com a incorporação de recursos gráficos ao texto.

            Como militante, Antonio Candido vem exercendo a política de modo discreto, porém incisivo e consequente, participando desde a juventude de partidos, conselhos, associações e movimentos de orientação democrática e socialista. Na condição de professor, formou varias gerações de intelectuais, com discípulos como o ensaísta mineiro João Luiz Lafetá, o crítico marxista Roberto Schwarz, a historiadora Walnice nogueira Galvão, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, entre outros. Foi professor visitante em universidades dos Estados Unidos e França.

            A crítica literária destaca-se como a atividade em que mais tem se empenhado. Sua produção crítica e ensaística compreende um vasto material espalhado em numerosos jornais e revistas, dentro e fora do Brasil. Sem esquecer que há mais de quarenta anos deixou de colaborar regularmente na imprensa diária, após a experiência de crítico em jornais como a Folha da Manhã, o Diário de São Paulo e O Estado de São Paulo (no qual planejou seu Suplemento Literário). Além disto, quase todos os seus livros tiveram mais de uma edição, exceto os mais recentes, havendo casos de um ou outro receber edições sucessivas. Alguns deles ficaram guardados por um tempo talvez desnecessário, a exemplo de Um funcionário da monarquia (2002), que já estava pronto em 1985. Refere-se à biografia de Antonio Nicolau Tolentino (1810-1888), bisavô de Candido. De origem modesta, este personagem entrou no serviço público como contínuo de repartição e chegou a ocupar a direção da caixa Econômica e a presidência da Província do Rio de Janeiro.

            No poema “Esboço de figura”, que dá título a um livro em homenagem a Candido, Drummond assim o definiu: “Arguto, sutil Antonio,/ a captar nos livros/ a inteligência e o sentimento das aventuras do espírito,/ ao mesmo tempo em que, no dia brasileiro,/ desdenha provar os frutos da árvore da opressão,/ e, fugindo ao séquito dos poderosos do mundo,/ acusa a transfiguração do homem em servil objeto do homem”.


Inédito, 2003






quinta-feira, 23 de junho de 2011

Notas Cotidianas e Literárias XCVII

PROFUNDAMENTE

                                            Manuel Bandeira

Quando ontem adormeci
Na noite de São João
Havia alegria e rumor
Estrondos de bombas luzes de Bengala
Vozes cantigas e risos
Ao pé das fogueiras acesas.

No meio da noite despertei
Não ouvi mais vozes nem risos
Apenas balões
Passavam errantes
Silenciosamente
Apenas de vez em quando
O ruído de um bonde
Cortava o silêncio
Como um túnel.
Onde estavam os que há pouco
Dançavam
Cantavam
E riam
Ao pé das fogueiras acesas?

- Estavam todos dormindo
Estavam todos deitados
Dormindo
Profundamente

                                  *

Quando eu tinha seis anos
Não pude ver o fim da festa de São João
Porque adormeci

Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha avó 
Meu avô
Totônio Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde estão  todos eles?
- Estão todos dormindo
Estão todos deitados
Dormindo
Profundamente.

In: Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1970.

domingo, 12 de junho de 2011

Notas Cotidianas e Literárias XCVI

A CONFERÊNCIA DO EXISTENCIALISMO


            “Sucesso cultural sem precedentes. Empurrões, socos, cadeiras quebradas, mulheres desmaiadas. A bilheteria do saguão para a venda de ingressos fica irremediavelmente abalada, destruída, reduzida a escombros: ninguém consegue comprar coisa alguma. Beigbeder e Calmy se mostram sucessivamente contentes, preocupados, enlouquecidos, apavorados, constrangidos, arrasados, impotentes diante desse ímpeto catastrófico. Gaston Gallimard comparece, assim como Armand Salacrou e Adrienne Monnier. A multidão compacta, nervosa e exasperada pelo calor causticante de outubro, esperneia sem dó nem piedade, impedindo a entrada de qualquer pessoa. Só uma vez, entretanto, tem um pouco de consideração, quando surge o casal de artistas Jean-Louis Barrault e Madeleine Renaud: então, única exceção, os socos e ferimentos cedem lugar à deferência mundana. Sartre chega sozinho, de metrô, lá de Saint-Germain-des-Près. Quando dobra a esquina e enxerga a multidão tão densa e ameaçadora que se comprime diante do prédio das Centrais onde deve falar, diz consigo mesmo, curioso: “Ora, só podem ser comunistas se manifestando contra mim!” e até pensa em dar meia-volta. Segue em frente, porém, mais por consciência profissional que pela vontade real de enfrentar a maré humana que julga hostil e entra, sem convicção, no auditório. Mais de duzentos, trezentos ouvintes acotovelados; quantos conhecem o rosto dele? E logo Sartre, a última pessoa capaz de dizer: “Sou eu, Sartre, abram caminho, por favor, com licença”? Portanto, não diz nada e se deixa levar, para frente e para trás, da direita para a esquerda, ao ritmo de cotoveladas, batidas de cadeira e de bengala, e vai indo, arrastado por fluxos benéficos, aos poucos, brutalmente, até a parte da frente da platéia: o percurso, da porta da entrada ao estrado onde deve falar, dura mais de quinze minutos. Com mais de uma hora de atraso, numa sala superabafada, apinhada de gente superexaltada, o conferencista começa a falar.
            Claro, sem consultar anotações e, na medida em que a promiscuidade dos ouvintes permite, de mãos no bolso. De saída, defende o existencialismo das críticas comunistas: “filosofia contemplativa, de luxo, burguesa”; das críticas católicas: “sublinhar a ignomínia humana, mostrar o lado hediondo, viscoso, de tudo”. Depois apresenta, sucinto, o seu propósito: esclarecer o sentido dado a “humanismo”, tentativa de definição do “existencialismo”: “uma doutrina que torna a vida humana possível”. O conferencista, em seguida, com astúcia, se espanta com a moda da palavra “existencialismo” que “hoje”, explica, ”adquiriu tamanha amplitude de extensão que não significa mais absolutamente nada... Trata-se, na realidade, da doutrina menos escandalosa e mais austera, estritamente destinada a especialistas e filósofos”. Tendo assim delimitado as fronteiras, vedado a entrada do território a intrusos, críticos e ladrões de conceitos, e reassumindo seu lugar favorito – a filosofia –, inicia um verdadeiro curso filosófico, tão especializado e austero quanto prometeu, apesar da heterogeneidade da platéia, do mundanismo da afluência, ignorando solenemente a correnteza da maré, as cadeiras quebradas e os desmaios. Mantém-se na linha que se propôs no momento em que aceitou a conferência, confirma o pacto com o rigor de seu propósito e não cede uma só polegada. Os Schweitzer apreciariam esta retidão de conduta, esta desenvoltura com o sucesso, este espírito de conivência que não lhe deixa, nesta noite, cair em nenhum cabotinismo?
            Os ouvintes comprimidos, entusiasmados, asfixiados, agüentam, pois, análises concisas e exatas das teorias de Jaspers, Gabriel Marcel, Heidegger, Kierkegaard, Kant e Auguste Comte; e também uma avalanche de referências a Voltaire, Diderot, Dostoiévski, Zola, Stendhal, Cocteau e Picasso. É uma apresentação bem-argumentada e interessante, magnífica e séria, que define conceitos já preparados no “Esclarecimento” que redigiu para o jornal Action e as críticas comunistas em dezembro do ano anterior; o conceito de “indivíduo”, de “responsabilidade”, “angústia”, “compromisso”, “isolamento”, e retoma certas fórmulas de impacto: “O existencialismo qualifica o homem pela ação que empreende”; “Diz que a única esperança que lhe resta é a ação e que a única coisa que lhe permite viver é o ato”; “Um homem se compromete com a vida, traça seus limites e, fora deles, não há nada”; “Estamos sozinhos, sem justificativas. É o que eu diria ao declarar que o homem está condenado a ser livre.” Acaba desistindo de certos conceitos incômodos ou mal-empregados, como “desespero” e “História”. Depois, feito mecânico ou garagista que termina de consertar um motor, afasta-se lentamente do objeto que acaba de desmontar e montar de novo, com toda a naturalidade de alguém que fez seu trabalho sem ser importunado em sua concentração cotidiana, e se felicita que o existencialismo seja “um otimismo e uma doutrina de ação”. De passagem, consegue realizar a façanha de inventar a definição do “humanismo existencialista” e, acima de tudo, de apresentar uma categoria de indivíduo com o qual todo mundo pode, então, se identificar: “o europeu de 1945”. Indivíduo que Sartre coloca no centro do mundo, com o poder de compreender “qualquer projeto, até de um chinês, de um índio ou de um negro”. Sujeitinho mágico, esse europeu de 1945 não vai demorar a ficar rico. O conferencista-mecânico se afasta, portanto, de sua máquina. A fase inicialmente prevista, que deveria, de saída, comportar uma discussão com os detratores presentes na sala, está cancelada por falta de lugar e de tempo. O conferencista vai embora.
            Na manhã seguinte, por volta do meio-dia, Marc Beigbeder encontra-se com ele no café de Flore. A fim de pedir-lhe, para começar, desculpas pela lamentável desorganização da memorável noitada. E em seguida expor-lhe as dificuldades que doravante terá de enfrentar: havia prometido, lógico, uma remuneração pela conferência, mas o clube agora vai desembolsar uma quantia bastante vultosa, sem nenhuma reserva financeira: aluguel do auditório, anúncios nos jornais, prejuízos materiais, enfim, pois o diretor das Centrais fez uma relação das cadeiras quebradas... Beigbeder não tem tempo de acabar a lista das dívidas futuras: “Ora, quanto ao meu pagamento, claro que você não precisa se preocupar!”, sugere Sartre. “Aliás, pelo visto, foi um êxito!”, exclama, mostrando os artigos dos jornais matutinos, que estava lendo diante de sua xícara de café com croissants.”

In: Sartre: uma biografia. Annie Cohen-Solal; trad. Milton Persson. 2. ed. Porto Alegre: L&PM, 2008, pp. 296-298.

sábado, 11 de junho de 2011

Notas Cotidianas e Literárias XCV

REVISTA BRAVO!

No número mais recente (166,  junho/2011), a revista Bravo! publicou um artigo assinado por Paulo Nogueira, sobre polêmicas entre escritores, intitulado "Palavras publicadas, palavrões impublicáveis". Romancistas, poetas e críticos literários participam com frequência constante de embates venenosos e virulentos, às vezes com desfechos danosos, violentos. Do artigo citado (pp.82-85), retiramos o trecho da polêmica Vargas Llosa vs. García Márquez, dando os devidos créditos à Bravo!:

VARGAS LLOSA X GARCÍA MÁRQUEZ

"Um segredo que durou mais de 30 anos foi a razão pela qual Mario Vargas Llosa esmurrou Gabriel García Márquez no dia 14 de fevereiro de 1976. Também nessa rixa a antipatia começou como empatia - tanto que o colombiano convidou o peruano para ser padrinho do seu filho Gabriel. Ambos partlharam o expatriamento em Barcelona, onde foram bons vizinhos. Até que, no dia fatídico, Llosa  infligiu ao ex-cupincha um olho negro digno de um panda (há uma foto de García Márquez estropiado, feita por Rodrigo Moya).
É certo que havia potenciais melindres. Ao longo da vida, Gabo observou uma marmórea otodoxia esquerdista, apoiando impavidamente o ditador Fidel Castro, com quem desenvolveu um afetuoso relacionamento. Justificava-se alegando que a estima transcendia ideologias: "Poucas pessoas sabem que Castro é um leitor voraz, que ama e conhece a melhor literatura universal". Reinaldo Arenas e Cabrera Infante, autores cubanos expulsos da ilha por divergência de pensamento ou comportamento, que o digam. Márquez nunca condenou a aplicação da pena de morte na ilha - sentença a que sempre se opôs em outras paragens. Recorda uma cutucada de Albert Camus em Jean-Paul Sartre (uma desavença que fica para  a próxima): "Certos intelectuais progressistas são fundamentalmente benevolentes e humanos, e amam as pessoas miseráveis muito mais do que as amariam na prosperidade". Contudo, não foram as discrepâncias políticas que ditaram a pancadaria na Cidade do México. Nem o despeito literário: mais cedo ou mais tarde, ambos embolsariam o Nobel. Para decifrar o mistério, convém seguir o clichê policial: "Cherchez la femme" (procure a mulher).
O arranca-rabo ocorreu em um cinema mexicano, durante a estreia de um filme então badalado e hoje misericordiosamente esquecido. Quando acabou, Gabo  avistou o amigo e se encaminhou para ele de braços escancarados. Foi recebido com uma patada no olho esquerdo. Com o sangue a jorrar-lhe, Márquez ainda conseguiu ouvir o agressou espumar: "Como se atreve, depois do que você fez a Patrícia em Barcelona?" A turma do deixa-disso entrou em cena, enquanto alguém trazia um bife cru para o olho intumescido.
Quando Gabo fez 80 anos, uma biografia esclareceu o mistério. Com a sua pinta de cantor de tango, Llosa jamais escamoteou um fraquinho pelas damas. Numa viiagem aérea, apaixonou-se por uma aeromoça sueca, abandonou a mulher e tocou para Estocolmo. Furiosa, Patrícia correu para a casa de Gabo, que a consolou. Ninguém sabe a forma que o consolo assumiu. Contudo, Márquez sugeriu o divórcio. Outras fontes atribuem a Gabo a pior traição que se pode cometer contra um amigo. Eventualmente, Llosa voltou para o lar com o rabo entre as pernas, e Patrícia lhe contou o conselho de García Márquez (e talvez do efusivo consolo). Daí o murro."

domingo, 5 de junho de 2011

Notas Cotidianas e Literárias XCIV

VOCAÇÃO DEVORADA PELA TV

A indústria televisiva tem desviado vocações literárias ao mesmo tempo em que produz monstros de audiência. Alguns autores que iniciaram suas carreiras escrevendo literatura em modalidades como o romance, o conto, a poesia ou a peça teatral, foram seduzidos pela TV e passaram a se dedicar com mais ênfase ao texto para telenovela. Podem ser aqui lembrados Dias Gomes, que deixou peças de teatro memoráveis; Manoel Carlos, que chegou a publicar poemas pelo “Círculo do Livro”; ou Aguinaldo Silva, que continua militando nos dois campos, e contabiliza cerca de uma dezena e meia de livros publicados. Seu romance mais recente, 98 Tiros de Audiência, com subtítulo “Intriga e Mistério nos Bastidores das Telenovelas”, acaba de ser lançado e retoma a temática policial em que ele é especialista, com uma vasta experiência de repórter em jornais cariocas. Ninguém mais adequado para a função do que o pernambucano, uma vez que conheceu de perto e a fundo, a partir da década de 1960, a contravenção do jogo do bicho, o roubo desenfreado de automóveis associado ao avanço do tráfico de drogas, a corrupção policial indiscriminada e o mundo glamouroso, competitivo e banalizado das celebridades. O grupo seleto de escritores do qual poderia fazer parte Aguinaldo Silva é composto de ficcionistas do porte de João Antônio, José Louzeiro e Rubem Fonseca, que se esmeraram, cada um à sua maneira, na narrativa de cunho policial ou em episódios da malandragem do Rio.

Um dos livros de Aguinaldo Silva que causaram mais estranhamento foi Primeira Carta aos Andróginos (1975), um misto de romance e ensaio, com numerosas transfigurações e referências à mitologia grega e a personagens bíblicos, estrutura formal que se aproxima em muitos momentos à poesia, um questionamento subjetivo mas não velado do homossexualismo e das dificuldades sociais que o assumi-lo traz num país onde a cultura ainda é bastante machista e arraigada. Em República dos Assassinos (1976), ele conta a trajetória do policial-bandido Mateus Romeiro, um dos “homens de ouro” da polícia carioca, preparado para executar suas vítimas sem pestanejar, e que atinge o êxtase sexual no momento de sacrificá-las. O protagonista acaba enveredando pelo crime através do “Esquadrão da Morte” – organização criada pela própria polícia para matar bandidos –, ao enviar carros roubados para o Paraguai e investir o dinheiro ganho trazendo na volta cocaína. O personagem que faz o repórter Aguinaldo Ribeiro (uma junção de Aguinaldo Silva com o também repórter policial à época Octávio Ribeiro), envolve-se com o policial-bandido, a ponto de ajudá-lo a cobrar dívidas de gente poderosa na contravenção e de demonstrar por ele um grau de intimidade que ultrapassa os liames mais corriqueiros da amizade.

O último livro editado, O Homem que Comprou O Rio (1986), demonstra ainda a força do escritor Aguinaldo, com a escolha do contraventor Giovanni Improta para personagem central, promovendo a agilidade de uma narrativa impecável onde cada fato, personagem secundário ou situação relatada ocupa seu devido tempo e lugar. Esta distribuição, inter-relação e movimentação exata no espaço e no tempo dos personagens e eventos faz com que o romance atinja o seu estágio de eficácia e eficiência, cumprindo obviamente com sua função literária e estética específica. Este romance guarda algumas semelhanças de concepção de personagens e situações com 98 Tiros de Audiência. Primeiro, o modo como os detetives Paulinho Reitz e Luis Trajano atuam, se comportam e se relacionam com as mulheres, com outros policiais e outras pessoas. Ambos sempre são afastados de casos que envolvam pessoas importantes porque, em termos éticos mostram-se incorruptíveis. A Paulinho Reitz não importa se o maior implicado nas mortes de Orlando e Misael, de O Homem que Comprou O Rio, é um bicheiro que domina a Baixada Fluminense e que seja afilhado do governador Valmiro dos Santos.

Em 98 Tiros de Audiência vem à tona praticamente tudo o que se passa nos bastidores de uma novela global. A grande luta de atores, autores e diretores para manter o pico de audiência a qualquer preço, que às vezes teima em despencar. A humilhação de quem persegue a fama e encontra, em contrapartida, a fúria de executivos preocupados apenas com o número de telespectadores e conseqüentes investidores na publicidade. Talvez por isso se sinta mais forte a presença do autor de novelas do que propriamente do escritor ou do roteirista de cinema. O estilo romanesco segue o da trama folhetinesca, que guarda sempre a surpresa para o dia seguinte ou o próximo capítulo, levando qualquer leitor a querer saltar páginas e descobrir o que virá pela frente. Neste livro, ironicamente, o assassino da estrela Aurora Constanti é o alter ego de Aguinaldo Silva, o autor Everardo Lopez. Ele fica num beco sem saída ao ter de repetir a performance de 98 pontos no dia da morte de Aurora Constanti, mulher belíssima, porém bêbada e cocainômana, que investe tudo numa boa confusão e é odiada pelos colegas de trabalho, pelo diretor Quase-Quase e por Mister Zee, o Todo-Poderoso. Os capítulos aparecem em seqüências de blocos, à maneira de monólogos e depoimentos dos envolvidos com a diva Aurora Constanti, recurso já utilizado em República dos Assassinos para o julgamento de Mateus Romeiro. Mas, o que surpreende agora, em relação à escrita de Aguinaldo Silva, é aquela perda de vigor do escritor para deixar reinar o novelista. Nada se passa no âmbito da vida pessoal ou privada com discrição ou autenticidade, ao contrário, tudo resvala para o superficial, o bombástico, o sensacional, o deslavadamente público. Este é, sem dúvida, o preço que um escritor pode vir a pagar para ter seu público medido em milhões de pessoas.

In: Continente Multicultural, nº 73, jan. 2007.

Notas Cotidianas e Literárias XCIII

O SÃO FRANCISCO
                                                      Castro Alves

Longe, bem longe, dos cantões bravios,
Abrindo em alas os barrancos fundos;
Dourando o colo aos perenais estios,
Que o sol atira nos modernos mundos;
Por entre a grita dos ferais gentios,
Que acampam sob os palmeirais profundos;
Do São Francisco a soberana vaga
Léguas e léguas triunfante alaga!

Antemanhã, sob o sendal da bruma,
Ele vagia na vertente ainda,
— Linfa amorosa — co'a nitente espuma
Orlava o seio da Mineira linda;
Ao meio-dia, quando o solo fuma
Ao bafo morto de u’a calma infinda,
Viram-no aos beijos, delamber demente
As rijas formas da cabocla ardente.

Insano amante! Não lhe mata o fogo
O deleite da indígena lasciva...
Vem — à busca talvez de desafogo
Bater à porta da Baiana altiva.
Nas verdes canas o gemente rogo
Ouve-lhe à tarde a tabaroa esquiva...
E talvez por magia... à luz da lua
Mole a criança na caudal flutua.

Rio soberbo! Tuas águas turvas
Por isso descem lentas, peregrinas...
Adormeces ao pé das palmas curvas
Ao músico chorar das casuarinas!
Os poldros soltos — retesando as curvas, —
Ao galope agitando as longas crinas,
Rasgam alegres — relinchando aos ventos —
De tua vaga os turbilhões barrentos.

E tu desces, ó Nilo brasileiro,
As largas ipueiras alagando,
E das aves o coro alvissareiro
Vai nas balças teu hino modilhando!
Como pontes aéreas — do coqueiro
Os cipós escarlates se atirando,
De grinaldas em flor tecendo a arcada
São arcos triunfais de tua estrada!...


In: Poesias completas. Prefácio Manuel Bandeira. Rio de Janeiro. Ediouro, s.d.

sábado, 4 de junho de 2011

Notas Cotidianas e Literárias XCII

UM POEMA DE ANTÓNIO PATRÍCIO
(PORTO, 1878 - MACAU, 1930)



PARA ALÉM


É para além de tudo o que alcançamos
que se adivinha enfim esse horizonte,
onde dormem os sonhos que beijamos
e a nossa sede tem a única fonte.

Há para além do céu ainda mais céu
se houver ânsia no olhar que o reflectir:
o céu mais vago e fundo é só um véu
que a alma rasga p'ra poder seguir...

É para além do amor que me adormece
nesta loucura doce de te olhar
que o coração pressente o que é amar.

Além da vida há vida, além é o norte:
e quando mortos, ainda a nossa prece
levantará as mãos além da morte...

In: Patrício, António. Serão inquieto e poemas reunidos. Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 2000.

Notas Cotidianas e Literárias XCI

MEMÓRIA, DISCURSO E AMIZADES
DE CYL GALLINDO

O relato da convivência entre escritores não é uma tarefa fácil de ser traduzida em palavras, pelo que envolve de exposição do outro. Pode levar a julgamentos equivocados, que se geram a partir de interpretações confusas, falseadas ou desviantes. Entretanto, quando o relacionamento foi estabelecido em bases sólidas de amizade, franqueza e lealdade, o escritor dispõe de uma cota relativa de liberdade para falar sobre aqueles ou aquelas que mais o marcaram. O ciclo das amizades desdobra-se e é elastecido e referendado por outros testemunhos de época, de amigos comuns ao autor e ao escritor ou escritores lembrados.

Cyl Gallindo teve o privilégio de privar da amizade do poeta pernambucano Manuel Bandeira, do final dos anos 50 até a morte do autor de Estrela da manhã, em 1968. Na condição de estudante em terras cariocas, conheceu Bandeira numa circunstância inusitada: fora escalado pelo presidente da Casa do Estudante do Brasil Alfredo Viana, juntamente com dois colegas, para fazerem a abordagem do poeta em sua casa. A finalidade da visita era coletar a assinatura de Bandeira para um documento referente a uma homenagem à atriz Cacilda Becker. Terminado o encontro, Cyl é requisitado pelo poeta a voltar novamente a sua casa. Fica-se sabendo que Bandeira reivindicou, de início, a companhia do jovem Gallindo principalmente por causa do sotaque pernambucano, e depois para acompanhá-lo às quintas-feiras à Academia Brasileira de Letras. Mesmo vivendo no Rio de Janeiro, tinha amigos no Recife, como Gilberto Freyre e o casal Ascenso Ferreira/Stella Griz, servindo de articulador de novas amizades para Gallindo. O viés polêmico do ensaio fica por conta da aposição de um busto de Bandeira no Recife, que Gallindo descreve com detalhes num artigo publicado à época.

Outra amizade retratada é aquela encetada com o escritor e folclorista angolano Óscar Ribas, vindo a lume o que os uniu e identificou. Ribas acabou por exercer forte influência sobre Gallindo relativamente ao papel da raça negra na sociedade brasileira: “Foi lendo Óscar Ribas, a escrever, cantar, gemer, sorrir e chorar nas páginas dos seus livros e cartas datadas desde 1965, que alcancei a verdadeira dimensão da minha afinidade e consaguinidade com a raça negra”. Quem o conhecia mais de perto era o escritor Luis da Câmara Cascudo, que por sua vez tornou-se também amigo de Gallindo. Oscar Ribas faleceu em 2004, aos 94 anos, ainda lúcido e trabalhando com literatura. O texto de Gallindo apareceu em Portugal, em livro organizado por outro angolano, o escritor e jornalista Gabriel Baguet Jr.

A cidade onde Gallindo nasceu, Buíque, no Agreste pernambucano, guarda a peculiaridade de o escritor Graciliano Ramos ter vivido nela parte da sua infância. O alagoano que mudou a história da literatura brasileira com sua forma seca, enxuta e rigorosa de trabalhar as palavras, absorveu toda uma vivência rural que alguns lugares nordestinos lhe legaram. Entre eles, Palmeira dos Índios e Quebrangulo, esta última sua cidade de origem, além de Buíque, onde Sebastião Ramos, o pai de Graciliano, adquiriu uma fazenda e para lá se transferiu com toda a família. O autor volta às raízes, por ocasião da inauguração da Biblioteca Municipal Graciliano Ramos. Chama a atenção para o fato de Infância e outros livros fundamentais de Graciliano, provavelmente terem sido locados em solo buiquense. Segundo conta, instigou o holandês August Willemsen, tradutor também de Euclides da Cunha, a verter Infância para o neerlandês, o que terminou acontecendo, ao constatar a exposição do volume em livrarias holandesas, onde esteve recentemente.

Em 1994, Gallindo escreveu o prefácio para a 2ª edição do livro Canudos e outros temas, publicado pelo Senado Federal, contendo textos de Euclides da Cunha. O texto é contundente, e tem como característica principal certa atualização do pensamento euclidiano, permanecendo também nas outras edições. Faz uma defesa veemente do Nordeste brasileiro, do seu povo e da sua cultura, das formas desabonadoras como a região tem sido encarada por sucessivos governos. O histórico da publicação é apresentado em depoimentos de várias personalidades de pesquisadores e escritores, brasileiros e internacionais.

A edição da Panorâmica do conto em Pernambuco, organizada por ele e Antônio Campos, que também participam com textos de apresentação e contos, resultou da parceria entre o Instituto Maximiano Campos, de Pernambuco e a Escrituras Editora, de São Paulo. Lançado durante a Fliporto 2007, em Porto de Galinhas, o volume contém, substancialmente, 896 páginas e contempla 114 autores. Dentre os antologiados encontram-se escritores consagrados como os poetas Ascenso Ferreira, Joaquim Cardozo e Mauro Mota, os ficcionistas Graciliano Ramos, Clarice Lispector, Hermilo Borba Filho, José Condé, Maximiano Campos, Osman Lins, Gilberto Freyre, Luis Jardim, Nelson Rodrigues. Esta apresentação é republicada oportunamente, pois o livro será relançado durante a próxima Fliporto, em novembro deste ano, em edição reformulada e com biografias atualizadas. São apresentados os critérios que nortearam a organização da antologia, os processos de seleção e escolha, os percalços enfrentados e os percursos utilizados para a execução do livro.

O memorialismo autobiográfico deriva-se aqui de situações coloquiais e vivências cotidianas. Em certos instantes, um simples encontro pode vir a transformar-se em motivações de reflexão e análise sobre assuntos variados. De um modo geral, afloram numerosas conversas sobre a vida e o que vai pelo mundo, sem pretensões de eruditismo literário ou filosófico, notadamente nos encontros com Bandeira. Os textos se inter-relacionam através das figuras que os compõem, que aparecem às vezes em mais de um deles, sem que o leitor espere. E ainda nos que não se referem propriamente às amizades do autor, o tom é discursivo, em primeira pessoa, privilegiando mais o coloquial do que a densidade reflexiva, a exemplo de “Em defesa da língua portuguesa”, conferência pronunciada em 2000 na Academia Recifense de Letras, marcando posição contra a descaracterização do vernáculo, sua invasão por termos de outras línguas, que sugerem um espírito de neocolonização nem sempre questionado ou refreado. Ao lado dos recortes da memória, do coloquialismo e das recordações gratas, convivem em sintonia o discurso de ocasião e os textos de prefácio. Todos, ao fim, permeados de informações preciosas e posicionamentos definidos, compostos por eventos da vida literária, de algo da história da literatura e da preservação da língua portuguesa como objetos demarcados e inesquiváveis.

In: Gallindo, Cyl. A intimidade da palavra . Recife: Bagaço, 2010.  

Notas Cotidianas e Literárias XC

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Notas Cotidianas e Literárias LXXXIX


DIÁLOGOS DE PAZ E TOLERÂNCIA
 
A condensação dos dezesseis textos de Diálogos no mundo contemporâneo – por uma cultura de paz, recém-lançado pelo escritor e advogado Antônio Campos em edição bilíngue, estabelece uma nova série de ideias, sugestões e propostas sobre grandes questões do nosso tempo. Elege a bandeira branca da paz como polo central para onde são atraídas e ramificadas outras modalidades assemelhadas e convergentes do humanismo. Tolerância, diversidade e interculturalidade são palavras recorrentes e propositivas que trazem no seu bojo a força de uma ideia e a possibilidade de uma práxis. Além disso, a problemática da pacificação mundial enfatizada é, senão conhecida em profundidade, pelo menos intuída em superfície por muita gente. Há, contudo, os que fazem questão de ignorá-la solenemente, pela omissão ou pela indiferença. Ou, o que é mais grave ainda, de trabalhar contra ela. Pode-se pensar que daí se origina, em boa medida, os grandes conflitos sociais, os confrontos bélicos que vêm se tornando corriqueiros e o descaso como atitude generalizada acerca da preservação vital e ambiental do planeta.
O livro antecipa algo das discussões que esquentarão a próxima Fliporto (Feira Literária Internacional de Pernambuco) em novembro, em Olinda, tendo como temática “Uma viagem ao Oriente”. O homenageado deste ano, Gilberto Freyre, é analisado por Antônio Campos em vários textos, a partir de certo viés antropológico que caracteriza a obra freyriana. Afirma Campos: “Na perspectiva de Gilberto Freyre, as conexões entre o Brasil, no período de sua formação, e o Oriente árabe ou asiático iam muito além de aspectos arquitetônicos, tendo sido determinantes na conformação da sensibilidade brasileira, em sua visão do mundo e seus valores culturais marcantes”. Conexões, influências e interações vastas e derivadas de um forte caldeamento de povos imigrantes e nativos, trazem à luz manifestações culturais que envolvem aspectos amplos e diversificados da vida social e política, da arte e do lazer, da economia e do trabalho, do comportamento público e privado. Na esteira de tudo isso, o alerta sobre os embates alucinados e seus efeitos irreversíveis que anulam, nas suas bases mais simples, ou nos seus surtos de maior complexidade, uma cultura de paz: “Somente diálogos construtivos de paz, uma melhor compreensão e convivência com o outro, com o diferente, vencerão o terror e a tensão entre religiões e etnias, que é o grande desafio do contemporâneo”.
Era preciso que alguém levantasse essas questões de um modo didático, dialético e compreensível. E Antônio Campos o fez com pertinência e autenticidade.


Folha de Pernambuco, 20 de maio de 2011

domingo, 22 de maio de 2011

Notas Cotidianas e Literárias LXXXVIII

SAGRAÇÃO
 

CARLOS NEWTON JÚNIOR



Dizem
        que em alguma parte
                parece que no Brasil
        existe
                  um homem feliz.

                                               MAIACOVSKI         





I

Tempo, começarei a minha história.
Eu cantarei meu canto de mim mesmo
e nele me abrirei como se fosse
um livro feito em carne, folheado
sob a luz, pelo vento e pelo fogo.
Aqui eu deixarei tantas palavras
de ordem e desordem, de harmonia
e caos, por mais que sejam arrumadas
na aridez polida dos meus versos.
A dor não me deixou, eu te asseguro,
Tempo, ela ainda corta a minha alma
em pedaços de angústia, como a lâmina
corta postas de peixe no mercado,
à vista salivante dos mendigos.
A minha arma, Tempo, é de festim.
Sei pouco ou nada sei, então eu sigo
como um plagiador inveterado,
trazendo todo o inferno no meu peito
com os seus nove círculos de fogo;
pisoteando os versos que eu encontro
como se fossem uvas no lagar,
tentando, em vão, fazer meu próprio vinho,
que desce à garganta, aos engulhos.
Vê: hoje eu tentarei tocar a flauta
da minha escoliose acentuada.
Eu que jamais pensei em despedidas,
e sim na alegria dos encontros.
Não quero o pagamento, no futuro,
de todos os amores incompletos,
por mais que sejam belas as estrelas.
Eu a quero inteira, eu a quero
tal como a vejo agora no retrato,
nesta sua beleza que dispensa
discursos, que renega maquiagens,
como as cores, que foram escorraçadas
pelos renascentistas, dos seus mármores.
Agora é que o incidente começou:
eu passarei meus erros em revista
e os cantarei sem medo do ridículo,
sem medo do revólver na gaveta.
Mais de um crítico escroto irá dizer:
“Lá vem esse poeta decadente
com seus insuportáveis decassílabos”.
Não imaginam, Tempo, o que há de vir
e mesmo assim já mostram seus caninos.
Que eles se contorçam em suas camas
e engulam o veneno das salivas;
que cada coração se afogue em cólera
para expurgar de vez as impurezas.

Tempo,
que a tolerância deixe agora o palco
e o rancor dite os rumos da comédia:

eu irei transgredir meu próprio ser
resignado, calmo e complacente;

eu irei transgredir a minha fala
que não será mais doce, e sim amarga;

eu irei transgredir a forma exata
do poema, seus versos, suas quadras;

eu irei transgredir os meus ouvidos,
pois deixarei o metro como quem
larga a esposa e se atira num abismo. 


II

A todos vós, que me queríeis
corromper com um poema sujo,
sonhado desde as entranhas, oculto
de olhares indiscretos, com seus vermes,
e que fosse explosão, catarse,
desvelamento de impurezas
regado a vômito e fezes;

a todos vós, que me queríeis ver,
num instante de insensatez,
num momento de fraqueza, de inesperada atonia,
subverter a ordem poética;

horrorizado com o meu próprio martírio,
eu vos entrego, de mãos limpas,
a subversão da poesia.


III

Quando foi que me vesti
de sonho e de alegria?

Houve um tempo só de sonhos,
de iniciação aos mitos, de vivências
em que o real e o sonho se uniram
para forjar o poeta.

Houve um tempo de errâncias,
de brevidades irresponsáveis, de instantes
intensificados sob a luz da lua;
um tempo de verdades absolutas
que invadiam ouvidos resignados
e trancavam, por dentro, a boca muda.

Tudo o que eu ouvia, então,
era bom, era belo e verdadeiro,
mesmo que as rosas oferecidas
às vezes revelassem o espinheiro
e a triste frigidez das coisas mortas.

Não houve anjo torto nem exortação à vida:
houve a vida vivida sem disfarces,
o colégio, as notas, os brinquedos
e a solidão batendo à minha porta.


IV

Era um tempo de poesia, em que a beleza,
restringindo-se às formas naturais,
já era percebida pelo olhar
do menino cheio de esperanças.
Era um tempo de poesia, sem poema,
sem pecado nem salvação,
e um coração, de menino,
pulsava forte, mesmo sem paixão.


V

Houve um rosto que mirava espelhos
e mãos que estouravam as espinhas;
houve pés que um dia se calçaram
para jamais sentirem novamente
a terra molhada pelas chuvas,
os seixos roliços, o pinicar da areia.
Os pés incharam com o passar do tempo
até intumescerem suas veias.
Houve mãos que apalparam um par de seios
e dedos trêmulos roçavam os seus bicos
como ao sintonizar o rádio novo
do avô, temeroso de quebrá-lo.
A nudez proibida se mostrava
nos lugares mais inesperados:
num canto de muro, atrás das portas,
ou em sonhos acordados, no banheiro.


VI

De resto, de muito pouco é que me lembro:
dos jambos maduros roubados nos caminhos,
dos amigos que cresceram e mudaram de partido,
das brincadeiras de rua – bola de gude, academia, pega-bandeira,
esconde-esconde, baleado, polícia-ladrão –
e das primeiras angústias da morte inconcebível
naquele dia triste, depois do qual
não mais fui despertado por meu cão.
 

VII

Lembro-me da OCIA, a ultra-secreta
“Organização dos Cientistas Amadores”,
e sua gloriosa expedição ao Triângulo das Bermudas;
dos insetos capturados em terrenos baldios para serem dissecados,
da barata anestesiada sobre a mesa,
à base de pequenas doses de inseticida e leves chineladas,
e do primeiro choque estético,
ao ver seus líquidos internos na lâmina do microscópio,
que revelavam cores e formas admiráveis,
de um abstracionismo orgânico superior ao das vanguardas estéreis,
magistral, calidoscópico,
primordial e inigualável.
 

VIII

Na minha casa não havia livros, exceto os da escola,
e livros na escola não havia, exceto os que levávamos de casa;
moldava-se, assim, toda uma geração
de crianças cegas, alheias à vida verdadeira,
que tateavam o sublime sem compreendê-lo.
 
Esfriavam em pedra, dentro de nós,
as sementes das árvores frondosas
ali colocadas pela quinta força,
ansiosas por germinarem, ansiosas
por estenderem seus galhos nos espaços.

Adiada estava a contemplação dos enigmas,
adiado o desabrochar da consciência
de que o mundo é uma máquina, cujo segredo, indecifrável,
precisamos descobrir, sob pena de morte.
 

IX

Houve conquistas e roteiros malogrados
e olhos sempre abertos pelo medo.

Houve noites de insônia e auroras
atravessadas sem os seus cabelos.

Houve mãos vazias e dedos intranqüilos
a tatear em vão tantos segredos.

Houve tardes de sol, e se não foram tantas,
adornaram meus versos de esperanças.
 

X

Houve falas bebidas como sumos,
pois as línguas não duelaram, eram espadas
embainhadas, sem o vigor da ira.
As línguas se continham em cada boca,
inofensivas como as armas na parede
de um colecionador de antiguidades.
As órbitas reluziam os seus raios
de centro a centro das retinas,
e cada qual com o seu punhal oculto
via a alma do outro aprisionada
por compromissos, convenções, hipocrisias.
 

XI

Houve a tarde de chuva grossa, e o encontro
fortuito na esquina do colégio:
“Ei-la, então”, pensei quase alto,
“bastaria que essas mãos apaziguassem minha face
para que eu não mais temesse o sabor das maçãs
nem que essa chuva se transformasse num dilúvio”.

Ali estávamos:
eu com o guarda-chuvas, a oferecer abrigo
e a receber, em troca, o seu sorriso,
o leve contato do seu ombro,
a paz que excede os conflitos do mundo
nos segundos em que a levei até o carro.

Houve o beijo sonhado no escuro
e a realidade do escarro.
 

XII

Eu não venho dos bagos de guerreiros
como o poeta Mourão, eu não descendo
de Albuquerques, Cavalcantis, desbravadores
de mares e de terras, com suas cartas,
os seus dotes, suas ilhas, seus forais,
sua fome de ouro, seus brasões
impressos em padrões armoriais.

A minha grei de gente mediana,
de funcionários honrados, de mãos limpas,
de rostos escanhoados e bigodes
aparados, de voz polida
e sorrisos anuentes,
instilou no meu sangue essa revolta
que só agora vomito no papel;

que se materializa em negra tinta
e se espraia na barba descuidada,
nos modos obtusos, na rispidez da língua.

Eu travarei a luta, verso a verso.
Combaterei, incansável,
a crítica burra, a mídia louca,
a intolerância dos medíocres,
a inveja inconseqüente dos canalhas,
os jornalistas sem caráter,
a porca rafaméia dos políticos,
os poetastros, os possessos,
a gente analfabeta da província.

A mesa já está posta, os comensais
aguardam ansiosos o banquete.
“Há ali um colunista social”, alguém me diz,
“que veio para cobrir tão nobre evento”.
Dá-lhe, amigo, aquele feixe de feno,
pois eu te asseguro que se ele o provar
sairá daqui extasiado, afirmando
não haver degustado, em toda a vida,
semelhante iguaria, tão bem servida.
 

XIII

Nutrido de distâncias, eu, o amargo,
ainda espero a tua aparição efêmera.
Quando virás dourar as minhas tardes
descendo desse azul de céu sem fim?

Eu te espero na solidão de fruta
esquecida no prato, à revelia das crianças,
que irá apodrecer sem ser provada.

Eu te espero
como o menino que se perdeu,
desesperado entre tantas pernas,
chora abraçado à sua bola.

Eu te espero
como um velho lúcido, mas inválido,
aguarda a jovem e bela enfermeira
que o levará ao jardim.

Eu te espero como o mais mísero dos náufragos,
um doente dos nervos, um neurótico,
boiando no oceano da loucura,
e que ainda aguarda, por milagre,
a tábua da sua salvação,
o fim dos surtos, dos delírios, das alucinações.
 

XIV

Chega a noite, abro mais um livro
de poeta que me toca, o doce som da flauta
acende o apetite dos ouvidos
e faz vibrar a viga dos meus ossos.
Meus dedos roçam, lentamente, o inefável,
percorrem as manchas negras no papel,
como se tateassem o ventre de mulher grávida,
que ainda não clama com dores, ainda
não sofre tormentos por parir.
Eis o choque estético, a faísca elétrica
transmite-se de uma folha à outra,
da folha impressa à folha branca, imaculada
que o poeta também trouxe para a mesa,
e a estupra no furor da esferográfica.
Então o poema, prenhe de beleza
gera outros versos, como o sêmen
gera filhos, e estes, num olhar, num simples gesto,
revelam, mesmo sem querer, a sua estirpe,
o pasto em que seus touros ruminaram,
a mais pura visão da sua origem.
 

XV

Uma ave sobrevoa o meu poema
em círculos, ela adeja sobre o núcleo
da beleza que não gerei, mas reencontro
em tantas noites de leitura silenciosa.
Será o poema, então, reminiscência
não dos arquétipos, mas de tudo
que se constrói à luz do engenho humano
e de repente explode e se derrama
num gozo de prazer indescritível
pela alvura do papel, como os metais
derretem-se no cadinho do alquimista.
Um poema alimenta o outro, como a ave
alimenta seus filhotes, depositando a caça
retalhada em pedaços, pelas garras,
diretamente nos seus bicos.
Ao fazê-lo, decerto ela ignora
que lhes transmite a seiva do futuro,
de tudo aquilo que reluz agora
e irá reluzir, mesmo no escuro.
 

XVI

Há milênios essa ave
acicata a nossa raça,
chamando-nos para o sol.
Desde o dia primeiro, em que voou
sobre pequenas placas de argila,
até hoje, quando adeja
sobre teclados, monitores, fiações.
As distâncias percorridas no seu vôo
revelam a soberba extensão da memória.
A ave, de fato, voou alto,
percorrendo distâncias imensuráveis:
partiu das margens dos quatro rios,
sobrevoou as ruínas de Sodoma,
transpôs montanhas e vales desérticos,
desceu velozmente à Hélade piscosa, roçou
as asas nos pescoços dos aedos,
acompanhou, de cima, as trilhas dos menestréis,
cruzou o oceano acompanhando caravelas,
tocou as cordas de prata das violas,
forjou o som fanhoso das rabecas.
E assim, ligando os elos da corrente,
marcou a minha fronte a ferro quente.
 

XVII

Não há vôo
sem pássaro dentro, não há
nenhum vôo à nossa espera
que nos leve além das rotas conhecidas
por essa ave que singrou os quatro ventos
em seu indômito e selvagem nomadismo.
Não haverá verso sem ânsia de história,
indiferente aos mortos que nos gritam
suas queixas gasosas nos ouvidos;
não haverá verso sem passado e sem memória,
de poeta fechado no seu quarto
trocando a vida pífia pela glória
de tornar-se imortal sem ter vivido.
 

XVIII

Orientado por uma bússola interior,
instalada em suas vísceras profundas,
o pássaro sobrevoa o lugar
em que corpo e espírito se reencontram
e se contradizem.
Aqui,
liberto da sua indumentária,
das suas máscaras, seus coturnos,
na flácida nudez do corpo inerme,
o perecível ator só diz a fala
da sua própria natureza obcecada
pela glória das efêmeras criações,
pelo amor que não gozou, pela dor
que sente ao perceber que o tempo voa
ainda mais ligeiro que o pássaro maldito.
 

XIX

Que a ave cante, pois eu a seguirei
como criança que vai à caça do tesouro,
que esquece os compromissos da escola
e nem sequer se lembra do almoço.
Que poder tem esse canto, que feitiço
emana desse som que contagia
e se propaga de geração a geração,
e nos faz fantasmas em nosso próprio castelo,
arrastando correntes pelo chão?
 

XX

Não nasce o poema
de cesariana, os versos arrancados
das entranhas do cérebro, do sangue,
de um já tão inchado ventre.
Não há poema
indiferente à fértil placidez das águas claras,
às fontes e suas musas desbocadas,
ao pássaro que voa além das chamas redentoras
e nos incendeia com o seu canto,
aliviando o fardo que levamos.
O livro aberto, as palavras sublinhadas,
na vigília do desejo insatisfeito,
na iminência da fecundação
de estrofes e outros tantos versos,
sim, e ainda assim, elas esperam
a noite certa, a hora exata,
o minuto preciso da explosão.
 

XXI

De tempos em tempos, a ave, em pleno vôo,
que é risco de memória no espaço,
volta a cabeça para contemplar os escombros
das antigas civilizações,
a catástrofe dos ossos sobrepostos
como a formarem uma altíssima muralha
a impedir o seu retorno; então,
pena por pena, as asas se arrepiam,
e ela aperta, entre os dedos, os grãos
colhidos na sua terra de origem,
e que a alimentarão, para todo o sempre
e a cada salto, pois ela voa, incólume,
cada vez mais alto.
 

XXII

Ave, pássaro...
somente agora me ocorre a dúvida atroz:
será de fato ave, aquele ser alado
que só de longe diviso, mas descrevo neste canto
como se o tivesse pousado em meu ombro
e sentisse, no pescoço,
o inefável roçar das suas asas?
Será pássaro, o ser alado
que noite e dia me tutela os passos
e indica o caminho da difícil escalada?

Angelical ou demoníaco, o ser alado
oriundo das terras ermas, de mundos paralelos,
de lugares só descritos em antigas mitologias,
pode ser grifo hediondo, pode ter
o seu perfil de esfinge feroz, cruel cantora,
a nos lançar os seus enigmas indecifráveis,
ciosa de nos devorar e corromper...

Não importa: resignados, nós seguimos,
humanas carcaças do porvir,
cada qual com a sua vertigem, cada qual
com a sua morte e a sua solidão,
a tentar, no desespero dos dias e das noites,
escapar à voragem do abismo,
erguendo pontes sobre as ilhas em que nos isolamos,
feito náufragos da própria criação.

Nós, humildes servos da harmonia,
a lavrar a terra em infindáveis corvéias,
que se repetem, dia após dia,
na vã tentativa de edificar um império,
o tirânico império da Beleza,
que jamais irá nos pertencer
e no entanto já está em nós,
como uma luz para sempre acesa.
 

XXIII

A Beleza, Tempo, que é a tua mais enfática negação,
posto que é luz que transcende os belos corpos,
e tudo o que é vivo, e brilha, e é perecível,
somente é conhecida de alguns poucos:
são esses os eleitos, os que, ainda em vida,
percorreram, em difícil ascese, a via estreita,
contemplaram a juventude dos deuses,
e a estes se uniram, em pacto de sangue.
Somente depois foi que morreram,
imunes à dinâmica dos finíssimos grãos
que escorrem na ampulheta do teu ombro.
 

XXIV

Eu vi coisas, Tempo,
que nem o teu fantástico poder
apagará da minha mente.
Eu vi
os soberbos corcéis e seus ginetes
extraídos da pedra pelo gênio
de Fídias,
o touro negro às portas do holocausto,
indiferente entre os seus algozes;
eu vi, em outra sala,
a leoa ferida que rugia
os seus urros cortantes e ferozes.
Vi Ulisses atado ao mastro
do seu bojudo barco, costeando
a ilha das sereias, o largo peito
impando com o deleite dos seus cantos.
Eu a vi
passando em gestos leves como deusa
de talhe impecável e harmonia
de pássaro em vôo, eu a vi
dourar um dia escuro como a noite
e me trazer de volta a alegria.
 

XXV

Os corredores do museu
eram fantásticos portais do tempo;
suas paredes, guardiãs de arcanos
insondáveis pelo simples pensamento.
Meus passos esmagavam apenas metros,
e a cada metro desapareciam
as distâncias seculares da história;
desapareciam, por artes de magia,
a fome dos miseráveis, o sangue das trincheiras,
o luto das mães, as mortes inocentes,
as incompreensões, as guerras fratricidas.
Sobressaía, ao meu olhar enfeitiçado,
todo o nosso destino assinalado,
nossa estranha passagem pela Terra.
 

XXVI

Ó Senhor das vértebras aladas,
mito, sono e veio puro!
Ó Tempo, tu que és a substância
de que todos nós somos feitos!
Tu que és o curandeiro universal!
Ó tu, grão-vizir da memória!

Ó filho do Céu e da Terra, que cedo revoltou-se
contra o próprio pai, ferindo-o gravemente à foice!
Ó tu, que nem dos próprios filhos tiveste piedade
e lépido os devoravas, ao vê-los nascer,
para somente contemplá-los no fundo das tuas entranhas!

Eu te suplico, Tempo,
a ti, que te atreves a colunas de mármore e corações de cera;
a ti, vaqueiro imbatível, que em todos nós, cabeças do gado humano,
pões a tua marca, que queima feito brasa viva:
deixa-a imune a teus caprichos
de sádico cruel e inconcebível.
Em troca,
a teu decreto curvarei a fronte humilde
sem emitir nenhum protesto.

Eu me entrego a ti, em oferenda,
para que possas me consumir ainda mais rápido,
duas vezes mais rápido,
três vezes mais rápido,
matando, em meu corpo, a tua sede
de epidermes e coronárias.

Mas se isso for de fato impossível,
ó Tempo duro,
ao menos retarda sobre ela a tua ânsia
de demonstrar o teu inigualável poder.

Toma este meu canto para te distrair, considera-o
como o som das batidas de escudos e capacetes
oriundo da dança dos Curetes.

Ministra, com vagar, teu caldo estranho,
a ela que é inocente, pois não tem culpa
da beleza que lhe foi concedida
como uma dádiva, como um raio de sol,
e que, se não pode permanecer para sempre,
ao menos deve perdurar, para melhor ser lembrada,
semeando, sobre a terra,
a alegria de que é repleta, e que tanto contrasta
com teu semblante de feroz carniceiro.
 

XXVII

Cloto, Láquesis e Átropos
contigo se mancomunaram, Tempo,
para tecerem nossos tapetes, distintos e imutáveis,
mas cujos fios um dia se cruzaram,
talvez por um descuido incompreensível, posto que divino,
talvez por interferência de outros deuses, mais antigos
e de Panteão incerto.
Seja como for,
não vês que agora somos, eu e ela, Deucalião e Pirra?
Não vês que nossos pastos foram poupados, nossos rebanhos e nosso trigo,
e só juntos poderemos, agora,
renovar o gênero humano,
atirando, de olhos velados, pedras para trás,
que em homens e mulheres irão se transformando?
 

XXVIII

Setembro expõe as minhas rugas
pelos espelhos da casa.

O poeta está no poema
como a chama de uma vela
permanece na lembrança
após uma longa noite de blecaute;

o poeta está no poema
como a árvore está no fruto que se come
ou no pássaro que a tocou
ao pousar em seus galhos;

o poeta está no poema
como o estômago do homem permanece
na mão de quem lhe deu um soco,
ou nos olhos espantados do seu rosto;

o poeta está no poema
como o cervo permanece
na bala do caçador
que lhe roeu as entranhas;
como o cervo também permanece
no pernil que vai ao fogo, na fumaça
que se desprende da fogueira,
no seu forte e agradável odor;

o poeta está no poema
como o cervo ainda permanece
num osso descarnado, jogado aos cães,
como merecida recompensa,
ou na menor gota de saliva
que da boca de um cão cai na terra,
e é por esta tragada, em sua sede insaciável.
 

XXIX

Precocemente envelhecido, aos quarenta anos de idade,
Carlos Newton Júnior, professor e funcionário público,
descendente de paraibanos, pernambucanos e portugueses,
homem sem patrimônio e escritor cheio de inimigos, justamente
por não condescender com a mediocridade e o mau-caratismo,
por não bajular os poderosos do dia, por não
mudar de opinião, muito embora não tenha a idéia fixa dos doidos,
emparedado entre as dunas e os muros da universidade em que leciona
tão-somente para ganhar o pão, pois não acredita
na educação em um país de governantes que não lêem,
forçado a ascender mas mutilado
por tudo que é cansativo e antipoético
como a prosaica luta pela sobrevivência,
orgulhoso do título que recebeu,
de “Cavaleiro Armorial da Ordem da Pedra do Reino do Sertão do Brasil”,
por artes e vontades de si mesmo, à revelia
das academias, clubes de escritores e institutos
com seus compadrios, suas malícias, estatutos,
seus presidentes vitalícios, suas nulidades literárias,
cada qual com a dimensão que a província lhe concede,
sagra-se, enfim, poeta.
 

XXX

Somente agora, aos quarenta anos de idade,
eu me aproximo de ti, Maiacovski.
Antes fosse pela tua vida
de comandante revolucionário;
antes fosse pelos teus versos
cortantes, claros, combativos;
antes fosse pela inveja do teu porte
de gigante bem apessoado,
com um crânio repleto de versos
que saíam de tua boca numa voz imperativa
como o estrondo de um trovão.

Eu me aproximo de ti
por causa do amor.
Por não acreditar no trigésimo século
e saber que não irei ressuscitar
para revê-la.

Porque, com o meu coração dilacerado,
eu também desejei ser um czar
para gravar uma única imagem sobre todas as moedas
e fazê-la brilhar pela terra inteira,
cheia de alegria.

Sei, por ouvir dizer,
que poema algum irá jogá-la nos meus braços
e apagará a chama que me queima.

Sei, por ouvir dizer,
que não há esconderijo seguro o bastante,
e a ruína silenciosamente se infiltrará
em nossas veias.

Sei, por ouvir dizer,
que tudo é oculto
neste mundo edificado em erro e fogo,
e portanto não devo crer nem procurar
o que a mim foi vedado desde o nascer.

Tempo, saqueador de juventudes,
confio na tua sapiência,
conheço a tua amplitude e a ti me rendo.
Não sou um príncipe de contos de fadas, não mereço
um final feliz.
Os dias irão passar, os invernos,
primaveras e verões que hão de vir,
as dores, as lágrimas, os outonos,
os frutos apodrecerão sobre a terra
e outros surgirão, novos roçados
serão plantados após as queimadas
até a completa exaustão do solo,
destroços serão levados pelos rios
de águas poluídas e peixes mortos,
e o fruto enorme da felicidade
despontará um dia entre as ruínas
que, sem qualquer epitáfio,
abrigarão os ossos do poeta.

Um dia, quem sabe, os pósteros lerão
o meu melhor verso,
que não lhes dirá nada.

E um nome estará perdido,
para todo o sempre,
na minha sagração.


[07-09-2006]
 

In: De mãos dadas aos caboclos, Bagaço, 2008.