sábado, 3 de julho de 2010

Notas Cotidianas e Literárias XXV

LEMBRANDO CARLOS PENA

 Carlos Pena Filho fez sua estreia na poesia em 1952 com O tempo da busca, volume de poemas magro e apropriado à sua condição de jovem poeta. Nascido no Recife, em 17 de maio de 1929, desde muito cedo se afirmou como personalidade singular de poeta em franca e rápida expansão. Ao absorver a experiência concreta com o mundo sensível na atividade de maior peso em sua vida e na qual conseguia suas melhores realizações e sucessos, a poesia, desenvolveu um lirismo emocionado e subjetivo. Com o apuramento de uma sensibilidade estética privilegiada, contrapôs a esse lirismo limpo e arrojado poemas de vertente social e popular. E serviu-se do mesmo cuidado tanto com as estruturas fixas e tradicionais ocorrentes no lírico, quanto com as formas livres presentes nos poemas de raiz mais nordestinada. Tais poemas constantes no bloco Nordesterro, e no poema longo que se desdobra em outros, Guia prático da cidade do Recife, exerceram também o papel de afastar certa noção de purismo requerida para Carlos Pena Filho por companheiros de geração.

A mudança de orientação diccional nos poemas de Nordesterro revela uma faceta poética social e radicalmente oposta ao maneirismo formalista neoparnasiano apreendido da geração de 1945, façanha até então inimaginável num poeta que se diferenciava pela realização lírica de sua poesia. E isso vai culminar numa poética urbana de rara eficácia, representada pelo Guia prático, poema com feitio de inventário da cidade solitária em meio a seus transeuntes, prédios e rios. Assumindo uma atitude desse tipo, rompia de modo corajoso as amarras políticas de seu próprio meio e convivência, de cunho liberal. Essa nova prática demonstrava que o poeta não estava impregnado apenas de sonetos líricos e subjetivistas, mas poderia ser capaz de trabalhar conteúdos de maior impureza, como os referentes ao sociopolítico, ao rural e ao urbano escritos em linguagem contundente e desabrida.

Carlos Pena destacou-se como um dos poetas mais vigorosos da década de 1950. Devido ao seu temperamento boêmio, as suas vivências pessoais seriam sublinhadas por uma vida literária e intelectual movimentada e enriquecida de muitas solicitações e atividades.

Não se teve notícia até agora de nenhum evento ou iniciativa de âmbito público ou privado para lembrar a passagem dos 50 anos da morte de Carlos Pena Filho, em 1º de julho deste ano. Da parte de entidades culturais e oficiais, o silêncio em torno do poeta que tanto cantou e amou o Recife é frio e majestático, restando o sentimento individual disperso dos que o leem e continuam a admirar a sua poesia. Não é de nenhum modo justo nem animador esse esquecimento a que vem sendo submetido em sua própria cidade, quando se pensa que ele tem a maioria de seus leitores distribuídos por aqui. Contudo, não é possível negar que existem também grandes leitores da poesia do Livro geral espalhados por todo o País, certamente porque a leitura de seus versos não suprime a fruição e o prazer provocados por uma conformação altamente fluente e musical que os reveste.

Todo o desempenho lírico e estético do poeta que viveu e escreveu como um dos mais autênticos e entusiasmados recifenses, realiza-se numa obra que, se não extensa numericamente, mostra-se competentemente elaborada e trabalhada no pequeno circuito de uma década e meia. Impiedoso e irônico com o lado superficial e obscuro da cidade, repudiava seus surtos conformistas e a banalização conservadora e padronizada de comportamentos e relações. Sem excluir a força dessa indignação, pode-se partilhar ainda da descoberta lúdica de um mundo solar e marinho, luminoso e desértico ao mesmo tempo, que permeia frações e núcleos significantes de sua poesia. Ao largo de seus versos e estrofes de construção impecável, notadamente naqueles poemas em que se sente a presença do poeta pleno e maduro, confirma-se o percurso exigente de uma poesia que sempre buscou, da adolescência à morte prematura, as melhores soluções e definições acompanhadas dos mais convincentes resultados estéticos.
(In: Jornal do Commercio, Opinião, Recife, 19 de junho de 2010.)

Um comentário:

  1. Também reparei na ausência de qualquer evento que homenageasse o poeta na passagem dos 50 anos de sua morte, Luiz Carlos. Seu post é uma das poucas e belas homenagens, ao lado de uma matéria de Mônica Melo na Folha de Pernambuco do dia 1º, em memória de Carlos Pena.

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