sábado, 9 de janeiro de 2010

Notas Cotidianas e Literárias IV

LITERATURA EM TEMPOS DE GLOBALIZAÇÃO

Na fronteira estética que delimita o gosto popular e o erudito, encontram-se como produtos específicos ofertados pela indústria cultural, a informação e o entretenimento. Para deleite pessoal exclusivo ou êxtase coletivo e geral, tais objetos da comunicação social e humana estão colocados à disposição e à vista de todos. Eles se encarnam, entre outros, em livros, e-books, revistas, jornais, filmes, discos, programas televisivos e sites da Internet.
O consumidor a quem esta produção é destinada, não logra isentar-se totalmente das injunções e intervenções desse sistema, tendo a seu favor apenas a perplexidade individual que o acomete. E são bem menores as suas atitudes de recusa que de aceitação de um ou outro destes produtos, restando a ele apenas o eventual consolo de uma possibilidade remota de escolha.
Da linguagem falada à escrita, do virtual-imaginário ao visual materializado e concreto, a interligação efetivada entre produtos e consumidores verifica-se a todo instante. E isto acontece num ritmo intenso e acelerado, num ritual globalizado e praticamente impossível de ser digerido na sua totalidade e freqüência.
Mesmo que todos estes objetos da cultura contemporânea interessem bastante de perto aos analistas de plantão, o produto que aqui passa a nos exigir a atenção é justamente o livro. E aqui caberia também a constatação inicial de que são escritos, publicados, vendidos, criticados e resenhados cada vez mais livros e em quantidades sempre crescentes.
Neste boom do mercado editorial, fazem-se presentes, além da figura central do escritor, a figura subterrânea do resenhista, disseminado e espalhado nas redações de jornais e revistas, nos gabinetes de editoras ou nos departamentos de letras das universidades. Os resenhadores de livros existem às dezenas de milhares no planeta, notadamente nos países do chamado Primeiro Mundo. O seu trabalho vertiginoso e ostensivo orienta-se na tentativa de acompanhar a imensa produção despejada diariamente pelo mercado livreiro. Assim é que a figura do crítico tradicional e mandatário torna-se a cada dia mais rara, distando cerca de seis décadas o tempo em que o crítico pernambucano Álvaro Lins foi visto por Carlos Drummond de Andrade como “O Imperador da Crítica”.
No entanto, certos princípios da crítica clássica continuam em voga: a isenção e a honestidade em proclamar julgamentos de obras, e a capacidade de reconhecer e separar uma obra autêntica daquela que não teria nenhuma validade do ponto de vista da qualidade literária. O fato é que a cultura, e mais especificamente a literatura, estão submersas numa imensa variedade de formas, gêneros, discursos e estilos, levando a interpretações e análises as mais diversificadas. Nos meios acadêmicos, por exemplo, certos segmentos da crítica universitária expulsam o homem e a vida de suas digressões e operações excludentes, extremamente particularizadas e tecnicistas, tendo muitas vezes como resultado um trabalho malogrado. Por outro lado, fora dos muros da academia, a dispersão verificada na dissipação de conceitos e na desconstrução de discursos, com exceção óbvias, apresenta-se como a moeda corrente.
Deve-se dizer que moldes inadequados para a análise literária geralmente não esclarecem e nem servem de guia ao leitor numa viagem que o levará a simpatizar ou não com o livro analisado. Mas seja como for, na sua interação inesquivável com o leitor e o autor, através da análise e da indicação de livros, críticos e resenhistas têm a função de decifrar o que está por trás do que se escreveu ou se escreve ao longo dos dias sobre a memória dos séculos, sobre o movimento incessante da vida e do universo, e mais ainda, sobre o esboço histórico, filosófico, científico e poético-ficcional da sociedade humana.


LIVROS EM ALTA NA BRAVO!

A revista Bravo! de novembro/2009 dedicou um quinto de sua páginas (30-49) à literatura. A principal razão para isso foi um excelente perfil do escritor Rubem Fonseca, um recluso assumido. Mas agora, com essa matéria – feita conjuntamente pelo editor João Gabriel de Lima e pelos jornalistas Tiago Petrik e Malu Porto –, muitos leitores brasileiros puderam e podem matar a curiosidade sobre o ficcionista. Um liberal em política, em suas atividades profissionais Fonseca foi policial e executivo de grandes empresas, até deixar tudo para ser apenas escritor. São mostradas suas preferências literárias e pessoais, suas relações de amizade com o general Golbery e, do outro lado da moeda, suas relações controversas com a censura, tendo sofrido perseguições e processos judiciais. O perfil presta-se tanto à leitura informativa e esclarecedora do homem e do escritor Rubem Fonseca, como à pesquisa geral. Quem tem interesse pela cultura e não encontra uma seção de livros numa revista cultural, certamente não voltará a folheá-la nem comprá-la. Não é este o caso da Bravo! na sua orientação editorial mais recente. Longa vida para Bravo!.


SCHILLER

O poeta e filósofo alemão Friedrich Schiller tinha 36 anos quando publicou, em 1795, vinte e sete cartas que deram origem ao livro A Educação Estética do Homem. Na Carta II, afirmou: “A utilidade é o grande ídolo do tempo; quer ser servida por todas as forças e cultuada por todos os talentos. Nesta balança grosseira, o mérito espiritual da arte nada pesa, e ela, roubada de todo estímulo, desaparece do ruidoso mercado do século”. A utilidade schilleriana vem englobando, através do tempo, não só as expressões artísticas, mas principalmente as manifestações avançadas da tecnologia e do trabalho (atente-se, hoje, para a febre da informática e as múltiplas inserções mercadológicas do lazer e do trabalho informal). A única forma artística que não se enquadrou como utilitária foi a chamada poesia erudita. De outra parte, muitos artesãos e poetas populares conseguem viabilizar e viver da sua produção artística.


PARACHOQUES

Se um inimigo intenta solenemente nos ignorar,
é porque está deveras preocupado conosco.


RECIFE - PÁTIO DE SÃO PEDRO

Vagabundos na praça.
Pessoas
entoando versículos e loas,
artifícios e ogivas antigos

mercenários mecenas milícias.

Esta cidade com seus teatros,
bares e praias, cinemas amontoados

Luzes incertas e avaras,
parco e raro um povo insofrido,
decadência obscura de pontes e rios,
caminhadas na noite, reencontros e festas

Docas da Avenida Rio Branco,
Compadre Teófilo, amigo e poeta!

Esta cidade com seus poetas
avessos direitos cisneiros.
Pátios afins com requintes de urbe
pós-moderno trans(n)adas futuro.
Mulheres de beleza fatal e morena.
Brinquedos esquivos perdidos espúrios.

2 comentários:

  1. De fato faz falta, em nossos dias, espaço nos meios de comunicação para as críticas e os críticos literários competentes, honestos e consequentes, que entendam que a crítica de qualidade fornece parâmetros não só para leitores mas também para autores conscientes, que buscam o aperfeiçoamento no ofício e na arte.

    Recife - Pátio de São Pedro. Belo poema.

    Abraço

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  2. Valeu, Luiz Carlos. O seu trabalho é necessário.
    Rubem Fonseca hoje é um liberal em política. Mas nem sempre foi assim.
    Espero vê-lo de novo no Literário.

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