quarta-feira, 20 de abril de 2011

Notas Cotidianas e Literárias LXXVII

JOÃO CABRAL E O POEMA "O ENGENHEIRO"

O poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto (1920-1999) publicou no Rio de Janeiro, em 1945, um livro de poemas a que intitulou O engenheiro. Este livro instaurou uma ruptura na poesia brasileira feita até então, pela maneira como João Cabral passou a sugerir e reivindicar novas formas de se expressar em poesia. Tais formas incluíam tanto um sistema de rimas toantes (em tudo oposto ao que se usava tradicionalmente), somado a uma métrica embbasada na precisão e no rigor (embora não se abandonasse uma certa flexibilidade e abertura rítmica no poema), além de uma temática bastante voltada para a problematização ética e crítica das condições sociais e materiais da região nordestina.

A ruptura encetada por João Cabral aparece num contexto histórico-literário - referido aqui apenas de passagem -, coincidente com o término da Segunda Grande Guerra e com o surgimento da chamada geração de 45, com a qual o poeta mantinha uma ligação apenas cronológica. Ela propunha-se a encarar o poema como um "artefato", ensejava o combate ao modernismo da Semana de Arte de 22, e procurava distanciar-se dos poetas pertencentes à geração do segundo modernismo nos anos 30, a exemplo de um Carlos Drummond de Andrade, um Jorge de Lima, um Murilo Mendes, entre tantos outros.

No livro O engenheiro encontra-se um poema intitulado também "O engenheiro", que instiga à reflexão das novas atitudes éticas e perspectivas estéticas adotadas pelo poeta. O engenheiro para quem João Cabral escreve o poema é aquele que compre uma função social definida e consciente, que integra-se a valores éticos positivos, nos quais deveriam estar sensivelmente incluídos o amplo respeito ao indivíduo e ao ambiente e a prevenção de possíveis danos e devastações à natureza e à vida.

Nas duas primeiras estrofes, são apresentados os materiais de trabalho, o ambiente em transição e de construção onde ele se remove, os objetos componentes do seu sonho e o "mundo" sobre o qual ele reflete: "A luz, o sol, o ar livre/ envolvem o sonho do engenheiro.// O engenheiro sonha coisas claras:/ superfícies, tênis, um copo de água.// O lápis, o esquadro, o papel;/ o desenho, o  projeto, o número:/ o engenheiro pensa o mundo justo,/ mundo que nehum véu encobre".

A terceira estrofe, colocada entre parênteses, como  para estabelecer uma diferença formal e expressiva das outras três, moostra o acompanhamento da construção de um edifício pelo poeta, no seuu permanente interesse pelas coisas de ciência e tecnologia, ladeado por alguns de seus amigos engenheiros (Antônio Bezerra Baltar, Jooaquim Cardozo): "(Em certas tardes nós subíamos/ ao edifício. A cidade diária/ como um jornal que todos liam,/ ganhava um pulmão de  cimento e vidro)."

Na quarta e última estrofe, Cabral volta a nomear os agentes naturais que cercam o edifício e o solo em que ele se apoia, sem esquecer aqueles seres que dispendem o melhor de sua energia e esforço cotidiano para o soerguimento de tais estruturas na paisagem urbana, destinadas a fins os mais diversos: ""A água, o vento, a claridade/ de um lado o rio, no alto as nuvens/ situavam na natureza o edifício/ crescendo de suas forças simples".

Inédito, 1999   

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